Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Memórias de uma Covilhã operária
Sofia Dinis · quarta, 9 de mar?o de 2016 · "A destruição das nossas memórias é a destruição do passado". Os atores da oficina de teatro comunitário do Centro de Atividades da Covilhã entraram em palco para preservar o antes, e assim, ajudar no depois. |
Cena da peça de teatro amador "Onde estás tu, Covilhã?" |
22020 visitas A estreia da peça de teatro “Onde estás tu, Covilhã?” decorreu no dia 5 de março no Teatro das Beiras. Esta foi mais uma iniciativa do projeto Género Coletivo, promovido pela Coolabora e dirigido pelo Teatro das Beiras. Perante uma sala cheia, a oficina de teatro comunitário do Centro de Atividades da Covilhã apresentou um “exercício teatral de memória coletiva”, em que o grupo sénior de atores amadores revive a Covilhã ingrata dos anos 60. É retratado o dia-a-dia das operárias das indústrias têxteis e de lanifícios da região. São recordados os bailaricos em que eram licitados ramos de flores e a licitação mais alta dava direito à escolha da “menina mais bonita do baile” para dançar o resto da noite. São cantadas as declarações de amor adolescente. É assumida a violência doméstica, as marcas no corpo e a falta de opção das mulheres de então. No final cada um dos atores faz uma reflexão sobre a Covilhã dos anos 60. Surgem perguntas e desabafos: “Covilhã porque maltrataste os teus operários?”, “O ordenado não chegava para nada”, “Os transportes público eram os pés descalços”, “Onde está a Covilhã rica? Das criadas e das madames?”, “Os cafés eram cheios de gente, numa Covilhã de pleno emprego. Hoje somos um conjunto de velhos, restam os estudantes para dar vida à cidade”, “O mercado enchia-se com produtos regionais de qualidade, hoje os ‘hipers’ dão de tudo congelado”, “Até a neve nos deixou”. Hemitério Guerreiro tem 72 anos e em palco foi patrão e até cantor. Para Guerreiro é importante continuar ativo e estas iniciativas dão “força, vida e alma” a quem por vezes já se sente cansado. Maria Alcina Batista pisou pela primeira vez o palco aos 71 anos. Se de início foi complicado “gerir os nervos”, no final mostrou querer repetir a experiência. Céu Tavares de 69 anos revela que descobriu em si um talento escondido. “A peça final foi reflexo da vida de cada um e pretendia passar uma mensagem sobre o que era a escravidão laboral e a violência doméstica”, explica Tavares. Fernanda Lourenço conta que aos 72 anos realizou um sonho. Subir a um palco, representar e ler poemas da sua autoria foi para ela um prazer enorme. Marco Ferreira foi, além de ator, o encenador da peça e esclarece que “a Coolabora convidou o Teatro das Beiras para formar grupos de teatro que desenvolvessem sessões, ao longo de 18 meses, sobre a mulher e a cidadania”. “As sessões foram sempre muito democráticas, foram partilhadas histórias, descobertos traços em comum e escolhidas pequenas cenas. Foi definido como ponto de partida a época dos anos 60 na Covilhã, no auge dos lanifícios, e a partir daí explorada a condição da mulher como operária”, explica o encenador. Segundo Marco Ferreira existe muita vontade de repetir a experiencia “e já há até algumas ideias”. Pedro Ramos, de 21 anos, assistiu à exibição com a namorada e mostrou-se surpreendido com a qualidade do que viu e as gargalhadas que lhe roubaram. Para Ramos está presente na peça “o que de bom a cidade perdeu e ganhou”. Odete Cristóvão de 61 anos adorou o espetáculo, reviu-se em algumas das memórias e afirma voltar a assistir se a mesma voltar à cena. O encenador, Marco Ferreira, convidou o público presente a participar no debate sobre igualdade de géneros, do dia 8 de março, pelas 21h, no Café-Teatro do Teatro das Beiras.
|
Palavras-chave/Tags:
Artigos relacionados:
GeoURBI:
|