Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Para cada pé, um sapato!
Nuno Filipe Godinho e Ana Paula Correia · quarta, 27 de dezembro de 2017 · João Dias é um sapateiro na cidade da Covilhã. Faz o que mais gosta e não tem esperança quanto à continuidade da sua profissão. |
João Dias terminando um sapato junto à máquina destinada aos remates finais |
22146 visitas Segundo os registos, o ofício de sapateiro é praticamente tão antigo como o próprio homem. Atualmente mesmo com a produção de calçado no expoente máximo, os sapateiros sobrevivem à crise e à mudança dos tempos, já que ainda são requisitados por pessoas que pretendem consertar ou até, renovar os seus sapatos, malas, ou outros acessórios. Na Covilhã, João Dias, de quarenta e dois anos de idade, é conhecido como o sapateiro do Pelourinho, que em risos se corrige como sendo, na verdade, “técnico manufator de calçado”, com porta aberta junto a um dos principais cafés do Município, o Montiel. Foi aos trinta e dois anos, no ano de 2005, após a fábrica de tear têxtil onde trabalhava ter encerrado, que se dedicou ao ofício do seu pai, '' o verdadeiro artista, o verdadeiro sapateiro”, diz. Com a falência da fábrica esteve emigrado alguns anos, mas rapidamente voltou à sua terra natal. Desde muito pequeno, ainda criança, João Dias, ajudava o pai no seu ofício, “mas nunca fui mestre como ele”, realça. A adaptação lá fora, “não correu como planeei”, e foi ao voltar, “que decidi continuar o projeto de vida do meu pai”, confessa. Apesar da mestria que lhe foi incutida, para retomar o negócio de família, o sapateiro covilhanense viu-se obrigado a aperfeiçoar a sua técnica de forma autodidata. A localização do estabelecimento, fica no centro da cidade, tal como o do seu pai, “a poucos metros de distância”. O antigo sítio encontra-se degradado, sem quaisquer condições laborais e, portanto, “a Câmara concedeu-me este lugar e cá estou. Estou e estarei, até me reformar”, disse. Nos dias de hoje, são muitas as pessoas que não prescindem dos seus serviços. São maioritariamente mulheres de todas as faixas etárias as suas clientes habituais. “Uma vez apareceu-me cá uma senhora que tinha ficado com o tacão preso no paralelo. Estava muito aflita, com o sapato na mão e descalça de um dos pés. Compus-lhe o sapato e lá seguiu caminho”, conta com ar de graça. Esta é apenas uma das histórias caricatas que o sapateiro tem para contar. “Certa vez apareceu-me um homem com um sapato para uns pés que calçavam o quarenta e sete. Nunca tal tinha visto”, conta surpreso. E falando de situações fora do vulgar, João Dias, conta também: “tenho alguns clientes que até me trazem prescrição médica para alterar sapatos para pessoas com deficiência psicomotora”. Ao contrário do que se imaginava, a crise económica facilitou o trabalho ao sapateiro. Esta profissão em vias de extinção, deparou-se com uma maior procura nos últimos tempos. “ Não tenho tido problemas com a crise, trabalho é coisa que não me falta”, refere. “Tenho lucro, claro, mas o material que compro para as reparações também aumentou, vai dando para viver”, remata. Os preços variam entre os quatro e os vinte e quatro euros, dependendo do serviço prestado. Os clientes de João Dias sentem necessidade de reaproveitar o calçado que apenas necessita de um pequeno conserto, e que se encontra ainda numa boa condição de usabilidade. Abílio da Silva é amigo e cliente habitual, e explica como a ida ao sapateiro “fica mais barata e, sobretudo, quando o calçado é bom e vale a pena, é preferível arranjá-los a comprar uns novos de menor qualidade”. Nelson Leão, licenciado em Cinema na Ubi, é talvez dos poucos jovens a frequentar o sapateiro para lhe engraxar os sapatos. “Uma vez por mês, pelo menos, gosto de ir ao sapateiro. Mantenho cuidado com o meu calçado, e tenho algum fascínio por este nicho de mercado. Dou valor a este tipo de serviços prestados na comunidade ”, explica. Num ambiente escuro e monótono, com as estantes e o chão repletos de calçado, e entre o barulho da máquina para remates finais, destaca-se o som de um pequeno rádio, “com mais de cinquenta anos”, pertencente ao pai de João Dias. Este diz ser “a sua companhia faça chuva, faça sol”. Não obstante, João conta também com a presença esporádica dos seus amigos para com ele fumarem “uma cigarrada”, ao ouvirem o relato dos jogos “do maior”, o seu clube Benfica. Em relação ao futuro, o sapateiro João Dias, refere que não vê no seu negócio uma continuidade para a geração seguinte. Pai de “um rapaz de vinte e um anos”, afirma que o que mais deseja é que o este “termine os seus estudos em enfermagem, fazendo o que mais gosta na vida”, pondo assim um ponto final no negócio que passou de pai para filho. No entanto, não coloca de parte a possibilidade de ensinar a alguém interessado pelo ofício - a arte do sapato.
“ Vivemos entre homens, Ajudemos os homens. - E que faz o senhor para isso? - Conserto-lhes os sapatos. Já que nada mais posso fazer agora”. Saramago, Claraboia
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