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O Homem que abre as portas da Covilhã
Vera Alves · quarta, 27 de julho de 2016 · Há cerca de meio século que o faz, e só lamenta ser o único na cidade. Diz que já nasce com a gente, mas que não chega. A confiança é muito importante, quando um só homem abre as portas da Covilhã. |
22113 visitas São horas de jantar. O telefone toca. O homem que abre as portas da Covilhã mais uma vez atende o telemóvel. Em média, diz, recebe três chamadas por dia, mas às vezes chega às oito e podem acontecer à hora do jantar ou pela noite dentro. O homem que abre as portas da Covilhã atende, e pergunta-lhe logo num tom aflito se é o senhor Geraldes. Chama-se Carlos Geraldes, tem 71 anos de idade e mora na mesma casa desde que nasceu, agora em na companhia da sua mulher, que ele insiste em não deixar abrir a porta do número 30 porque as pernas já não ajudam. Para isso vigia a sua casa a partir do número 37, logo ali ao lado, onde tem o atelier com as suas ferramentas. Ao telefone, uma senhora afinal conhecida de Carlos Geraldes, explica que filha e netos estão na rua, sem chaves porque as tinham deixado dentro de casa. Durante o telefonema, a senhora diz que as três crianças precisam de ajuda, e o senhor Geraldes lá se desloca, a meio de mais um jantar, para ir socorrer alguém que precisa de si: “Quando há crianças, eu vou logo, só se não puder”. Carlos Geraldes diz para o irem buscar ao mesmo sitio de sempre, ao Pelourinho, pois com 71 anos já não conduz e só pode ajudar se o forem buscar ou mandarem um táxi. Começou neste oficio na Casa Leão de outrora, a casa de ferragens mais antiga da cidade, há cerca de 50 anos. A pressão é própria do trabalho que faz, e quando confrontado com a questão de saber se as pessoas que lhe telefonam são as legítimas donas das casas que le pedem para abrir a porta, Carlos Geraldes responde que conhece muita gente na Covilhã e quando não consegue reconhecer a pessoa lhe pede a identificação. Mas que acaba sempre por haver um vizinho que confirma a informação. A filha da senhora que telefonou vai ao seu encontro no local acordado. À hora marcada aparece o senhor Geraldes: numa noite fria, de gabardine e chapéu, parece um detetive privado. Entra no carro e os dois conversam durante cinco minutos, o tempo de chegar a casa da senhora que espera impaciente para ser aberta. Apesar de conhecer a família, Carlos Geraldes faz questão de saber como tudo se passou. Abre a mala de ferramentas escolhida para esta situação, que foi escolhida porque no telefonema faz sempre questão de saber o máximo de informação sobre a porta. Com 50 anos de atividade, Carlos Geraldes tem muitas estórias para contar. Desde familiares que assaltam a própria família, a execuções judiciais, a pessoas que se barricam, penhoras, suicídios, arrombamentos que exigem a chamada prévia da Polícia Judiciária, assaltos, blindados prisionais, cofres, entre muitas outras situações. Lembra-se, por exemplo, de já ter socorrido os estúdios em frente ao Intermarché da cidade 107 vezes só nos últimos dois anos. As peripécias da vida atual, do vai e vem, do entra e sai não são como antigamente, afirma um dos homens mais famosos da cidade que não deixa ninguém enrascado. Diz que se puder continuar a contar com a ajuda do Santo Pedro vai continuar. E em menos de minutos o senhor Geraldes abre a porta. A cliente está satisfeita mas incrédula com o que viu. Sem palavras para agradecer, a senhora diz que não há dinheiro que chegue para pagar a abertura da porta desta forma. A outra alternativa são os bombeiros, mas uma entrada forçada traz sempre despesas com o posterior arranjo da fechadura. Da mesma forma silenciosa e discreta com que entra em ação, Carlos Geraldes sai de cena quase sem se dar por ele. A filha da senhora volta ao Pelourinho para o devolver a casa. Todas as instituições e autoridades, competências, instâncias recorrem sempre em primeiro lugar a este homem para abrir portas. Só depois dele são chamados outros profissionais. E quando questionado sobre o futuro, Carlos Geraldes diz que só lamenta que com tantas casas de ferragens na Covilhã, apenas tenha havido interesse no comércio e ninguém tenha aprendido este oficio. Sempre acreditou que não há pessoas insubstituíveis, mas sem ninguém para aprender o seu ofício começa a duvidar desta ideia. Antes da despedida, Carlos Geraldes recebe outra chamada. "Está a ver, isto não para, diz". Conta que ele próprio já ficou na rua mas, como sempre, conseguiu entrar sem forçar a entrada. |
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