Era uma vez, em Tondela. É assim que começam as histórias de infância e apesar de não se tratar de uma produção do género, ou necessariamente para essa faixa etária, a instalação “Onde Me Criei”, da autoria de Pedro Carreira de Jesus, vai buscar os seus elementos àquela cidade do distrito de Viseu, numa viagem com passagens pela Covilhã e Lisboa.
A exposição que pode ser vista na Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior (FAL-UBI) até sábado, dia 27, combina o trabalho de poesia deste antigo aluno de Ciências da Comunicação, com os tais objetos dos primeiros anos, mas também registos fotográficos da idade adulta. Objetos que considera alimentarem o fio condutor da exposição que esteve patente em outras cidades e, de seguida, vai para o Porto: a memória.
Formado em 2000 na UBI, Pedro Carreira de Jesus descobriu – ou sedimentou – a paixão pela escrita durante a formação universitária. Nessa altura no formato jornalístico, mais tarde na produção televisiva, tendo trabalhado em mais de 20 projetos e feito parte das equipas que criaram telenovelas, por exemplo, as telenovelas “Vingança”, que passou na SIC, ou “Belmonte” (TVI).
Mas isto é só uma parte do trabalho criativo, que acabaria por ser complementado com a edição de um livro de poesia intitulado "Dança (a três tempos)". O seguimento desta aventura mais pessoal e intimista é “Onde Me Criei”. São 30 poemas, alguns inéditos, acompanhados por objetos e fotografias de sapatos abandonados. “Poderia ser outra coisa qualquer, mas os sapatos são uma ausência, no sentido que a pessoa que os calçou não está lá”, explica Pedro Carreira de Jesus, recorrendo a esta análise para fazer uma de síntese do que são muitos dos poemas da sua autoria: “Há ali uma ausência, que também remete para uma presença. De algum modo, eu sinto que a minha poesia também faz isso. Pessoas ou tempos que desapareceram, porque obviamente o tempo avança e há toda uma série de circunstâncias que se desvanecem”.
A receptividade das pessoas tem sido “surpreendente” para o autor. Há uma interação “muito forte” e algumas reações do público, “universalizam-na”, como se a obra desmaterializasse o autor – “pensava que era mais velho”, já ouviu comentar –, ou de outros espaços que não Tondela.
“Houve pessoas que me disseram ‘a minha infância foi há 60 anos e eu sinto isto como muito próximo. Estes cheiros… tudo o que é descrito neste poema’”, recorda. “Também me perguntaram se eu era alentejano, porque fala-se lá da cortiça e da caruma, de uma ruralidade que poderá parecer localizada, mas na verdade foi vivida no Centro Interior do País. Foi muito engraçado este tipo de registos”.
Momento incontornável: quando a poesia tocou num homem a rondar os 60 anos, que a seguir legou a Pedro Carreira de Jesus, algo que fazia parte das suas memórias mais profundas.
“O que está exposto é bastante confessional e intimista. Ele saiu da exposição e voltou passado pouco tempo com um saco e uns sapatos lá dentro. ‘Fui casado com a mulher mais bonita de Lisboa e quando faleceu fiz questão de ficar com um par de calçado. Comprámos em Paris, numa viagem muito bonita, e ela não os utilizou muito. São o único calçado que guardei dela e gostava que os usasse como quisesse nesta instalação. Fiquei comovido e coloquei junto do poema ‘Sempre’”, conta.
Expor na UBI, inevitavelmente na Covilhã, serve também para cumprir o ciclo de memória do autor de 37 anos, que já teve a mostra em Tondela e Guimarães, por exemplo.
“Os pontos essenciais estão cumpridos”, salienta: “A cidade onde nasci, depois Guimarães, onde há um grande número de pessoas interessadas nestas manifestações artísticas, e agora Covilhã, onde estudei. Depois o Porto, que também me diz muito”.
Foi na instituição e na cidade onde viveu quatro anos que confirmou a paixão de que fez carreira. Da indecisão em torno de seguir a área de escrita de argumentos e o jornalismo, descobre o quanto gosta de escrever.
Recupera – mais uma – memória. Esta com 15 anos: “Surge nesse ano o Urbi@Orbi e tive a possibilidade, porque estávamos a começar e grande parte dos meus interesses eram a música e o cinema, de poder assegurar a parte da cultura, de uma forma mais assídua, além das reportagens mais abrangentes. Descubro o quanto gosto de escrever de uma forma assídua e frequente. Saio muito feliz com tudo o que aconteceu no Ateliê de Jornalismo Escrito no 4.º ano e saio com mais certezas que quero escrever”.
Recordações felizes de um percurso que começou com incertezas – “quando soube que entrei na UBI tive algumas dúvidas sobre se queria fazer toda a carreira académica aqui” – transformadas, também neste plano, em certezas, pouco tempos depois.
“Foram dissipadas assim que me integrei na cidade e no ambiente académico. Havia uma união entre colegas e um espírito que eram muito interessantes e fraternos, que foi vivido por mim ao máximo”, recorda.
Depois, o teor de Ciências da Comunicação da altura – “cuja raiz era claramente filosófica” –, fez Pedro Carreira de Jesus questionar “uma série de metodologias”. “Confrontares-te com todas estas teorias e saberes na idade em que é influi no pensamento futuro; leva a tua capacidade de discernir para outro nível”, considera, a par das ferramentas de teor mais prático que começavam a existir na altura.
Pedro Carreira Jesus continuou a acompanhar o evoluir da UBI, que tem meios que “impedem que caia no esquecimento”. “Vamos às redes sociais, ao Urbi@Orbi. Fiz ainda algumas visitas esporádicas e trabalhando em TV conheci pessoas que se formaram em Cinema. A dada altura, percebi que havia cursos de áreas artísticas e pessoas interessadas em determinadas áreas. E agora quando venho cá percebo que teve uma expansão maior. Acho que tem muito valor”, conclui.