Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Viver só e no Interior: um retrato
João Bravo · quarta, 4 de fevereiro de 2015 · Região Muitos idosos vivem na solidão, um problema que afeta um número cada vez maior de pessoas. O Urbi@Orbi foi conhecer um desses casos, na Covilhã. |
Ana Jesus Carrilho, 83 anos, é uma das muitas pessoas de idade que vive sozinha na Covilhã |
21976 visitas Ana Jesus Carrilho tem 83 anos. Nunca foi casada nem teve filhos e vive há mais de 20 anos sozinha, porque a companhia que tinha desde sempre eram os seus pais, que já faleceram. Na deslocação até à Rua Azedo Gneco, onde reside, contemplavam-se as decorações de Natal típicas daquela altura do ano. Mas acaba por se chegar a uma artéria com pouca luz, sem ambiente natalício e sem vida. Ao fim da tarde, a casa de Ana Jesus Carrilho já se encontrava quase fechada, pois o frio serrano entrava de rompante por aquela ruela rústica. Ao entrar, deparámo-nos com um cheiro caloroso de legumes a cozer calmamente na panela, contrastando com o barulho produzido pela televisão, a companheira desta covilhanense. O ambiente era acolhedor. Em Portugal, a solidão é um factor que tem aumentado ao longo do tempo e com a emigração dos mais novos, o índice de envelhecimento populacional tem tendência para aumentar. Segundo os Censos de 2011, há cerca de 400 mil idosos a viver sozinhos, principalmente, nas regiões do Interior. A Covilhã é exemplo disso, com cerca de 272 pessoas nesta condição. Ana Jesus Carrilho entra nesta estatística. Revela que é muito ativa. Não se prende às dificuldades motoras para tratar dos seus afazeres e desloca-se com frequência ao centro da cidade. Também para a relembrar que não está só. Apesar de tudo, as condições económicas em que vive não são as melhores. As despesas fixas com medicamentos são elevadas e, por isso, grande parte da reforma é canalizada para a saúde. As dificuldades verificam-se quando fala acerca de um casaco que tinha visto numa loja perto de casa: “Era de malha, muito fofinho, mas custava cerca de 15 euros e se o comprasse ficava sem dinheiro para o resto do mês”. A última época festiva foi vista como “um dia como os outros”. Não está com grandes cerimónias porque está sozinha e a família que lhe resta vive na capital. Lembrar os pais leva a conversa para um assunto mais delicado. As lágrimas deslizam pela pele enrugada de Ana Jesus Carrilho. “Eu digo que não custa ficar sozinha, mas choro muito durante a noite, principalmente por eles”, revela. Mas logo sublinha que a tristeza está proibida naquela casa e o tema altera-se rapidamente para algo mais alegre. A mudança opera-se com os sorrisos que o apresentador televisivo Manuel Luís Goucha lhe consegue arrancar. Dona Ana vai mais longe e afirma com um sorriso nos lábios e em tom carinhoso que “o Goucha é um tolo”. Envelhecer é um processo contínuo. Mas fazê-lo isoladamente torna esta jornada mais dolorosa. A solidão é talvez dos maiores medos do ser humano e ficar sem as pessoas com quem se convive e gosta é algo que pode ser bastante pesado. Muitas conversas são agora feitas para as molduras da casa, para o sofá antes ocupado ou para os lugares vazios na mesa de jantar. |
Artigos relacionados:
GeoURBI:
|