Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
D. Manuel Felício celebra 10 anos à frente da Diocese da Guarda
Luís Freire · quarta, 21 de janeiro de 2015 · Oriundo da Diocese de Viseu, o então Padre Felício foi consagrado Bispo da Igreja a 15 de Dezembro de 2002, nomeado Bispo Coadjutor da Guarda a 21 de Dezembro de 2004 e assumiu a Diocese a 16 de Janeiro de 2005. |
D. Manuel Felício (Foto: Diocese da Guarda) |
21995 visitas A celebrar 10 anos à frente da Diocese da Guarda, D. Manuel da Rocha Felício abriu as portas do Paço Episcopal ao Urbi para falar sobre o estado da nação, a Igreja Universal e fazer um balanço do seu episcopado. Atento à realidade social da Diocese e aos problemas que internamente o preocupam, o Bispo da Guarda insiste na necessária mudança de consciência, diante das alterações socioculturais a que assistimos no momento. Urbi et Orbi: Como foi o percurso académico e pastoral do Sr. Bispo até assumir a Diocese? E que alterações mais evidencia desde que chegou à Diocese e até ao momento? D. Manuel Felício: Desde criança me habituei a olhar para a Diocese da Guarda a partir do Seminário Menor de Fornos de Algodres que frequentei. Sem a conhecer na sua essência, olhava para a Serra da Estrela que dali se avistava. Depois o meu percurso levou-me ao Seminário Maior em Viseu e mais tarde ao Seminário dos Olivais em Lisboa. Após a primeira formação académica fui ordenado padre e trabalhei em diversas paróquias até me ter sido pedido um trabalho mais efectivo na formação e ensino da Diocese de Viseu e depois a nomeação de Bispo por João Paulo II em 2002. Como referi, não conhecia a Diocese da Guarda até ter sido nomeado seu Bispo. Mas das mudanças a que eu mesmo assisti, posso referenciar o decréscimo do clero, nestes últimos anos, mas também os 17 novos diáconos permanentes que já ordenei e que connosco colaboram, para além dos muitos leigos espalhados pela Diocese e em quem procuramos apostar, sobretudo na sua formação e um conjunto ministérios da pastoral, na liturgia e no serviço social que tem vindo a crescer e fortalecer-se. Os caminhos de preparação do futuro passam pela conjugação destes ministérios. Urbi: Estando a Diocese da Guarda num território marcado pelo envelhecimento e pela desertificação, como prevê a subsistência das nossas gentes nos próximos anos? D. Manuel Felício: Sabemos que há comunidades cristãs pujantes que não têm tanta abundância de clero como a nossa Diocese. São comunidades que apostam na responsabilidade de todos os ministérios, que na nossa Diocese têm vindo a ser desenvolvidos pelo clero. É necessário melhorar esta relação de colaboração, como é necessário criar a consciência de que deve haver uma rede de relação e cooperação entre padres e leigos. Nós padres devemos também promover aquele ideal do "fazermos fazer" e não nós a querer dar resposta a todas as solicitações. Urbi: Diante de um número de paróquias significativo no território diocesano a escassez de clero é cada vez mais significativa. Antevê alguma solução de "reorganização" diocesana num futuro próximo? D. Manuel Felício: A reorganização da Diocese está sempre a fazer-se. Ela depende muito das circunstâncias que nos são impostas, seja pelo número de sacerdotes, seja pela vida das próprias comunidades que por vezes esmorece. As 365 paróquias que encontramos na nossa Diocese não perdem essa identidade mesmo que o número dos seus habitantes diminua. Obviamente temos comunidades mais enfraquecidas, marcadas pelo envelhecimento e falta de fixação das famílias. A sua subsistência há-de garantir-se, não pelo retirar-lhe o título de paróquia, mas pela valorização dos leigos comprometidos que ajudam à acção do pároco e garantem a vida cristã de uma comunidade. Nesta matéria é necessário um grande esforço por fazer mudar as mentalidades de que o padre não tem, nem pode fazer tudo. Uma vez mais insisto na certeza de que não é pela alteração do seu estatuto que uma paróquia se reorganiza, mas sim pela necessária mudança de consciência sobre o como deve viver a fé. Se a paróquia sempre foi "uma família de famílias", hoje temos de entendê-la como um "paróquia de paróquias", no sentido em que elas devem trabalhar e viver a fé em conjunto e na partilha de disponibilidades humana e materiais. Urbi: O Seminário da Diocese vive também os efeitos das mudanças socioculturais e a aproximação dos jovens à Igreja é um terreno sempre difícil de calcorrear. De que forma se pode apresentar aos jovens o ministério sacerdotal como uma proposta atractiva? D. Manuel Felício: Todo o trabalho da Igreja com os jovens é um trabalho vocacional, pois é nossa missão estar presente na fase decisiva da vida em que se faz a opção para o futuro. Por isso a Igreja tem de estar próxima dos jovens para os ajudar a equacionar os prós e os contras das suas opções, de maneira a que possam ser fiéis à vocação a que se sentem chamados. Nesta presença que queremos fazer nunca podemos deixar de transmitir a cultura da exigência, que educa e forma para os valores. Entre estas propostas vocacionais o Seminário é um caminho entre outros, que ajudará os jovens a discernir a sua vocação, porque toda a vocação tem consigo potencialidades e dificuldades. Hoje surgem alguns jovens que manifestam o desejo de seguir o caminho do sacerdócio e não o podem fazer; outros há que, manifestando essa vocação, não a querem assumir. A Igreja tem de ajudar a todos a descobrir aquilo para o qual forma chamados, porque Deus não fala numa cultura desencarnada, mas nos meios e nas nossas circunstâncias. Urbi: Crê que a "nova evangelização" é já uma realidade na Diocese? Quais são os maiores entraves para que ela aconteça? D. Manuel Felício: A evangelização é sempre nova, porque ela é o interpretar do Evangelho de Cristo nos meios onde estamos. A nova linguagem e o novo ardor de que nos falou o Papa João Paulo II são um desafio constante. Nesta "velha Europa" o entusiasmo pelo Evangelho tem vindo a esmorecer e daí uma necessária mudança na forma como se anuncia a mensagem cristã. Na verdade, a formação cristã, para todas as idades, não tem crescido no entusiasmo. É visível a dificuldade, a motivação para viverem com consciencialização as práticas tradicionais que têm. O estilo de vida de hoje, mais do que agir, fazem reagir a determinadas condicionantes que nos rodeiam. Hoje, a vivência superficial de algumas práticas cristãs dificulta as propostas de formação que mostrem o novo rosto da prática cristã. O futuro constrói-se com consciências bem esclarecidas. Urbi: Parece-lhe que as políticas económicas e sociais do momento terão um efeito positivo para o Interior? De que benefícios necessitaria o Interior para poder viver um tempo de prosperidade? D. Manuel Felício: Infelizmente as políticas económicas do nosso país são-no a curto prazo. Mudar o nosso Interior exige medidas e políticas a longo prazo, que passam por uma discriminação positiva. Os nossos ambientes do Interior têm um poder de compra quatro vezes mais baixo do que o litoral. Esta equidade não será suficiente, mas sim uma discriminação positiva que fortalecesse o tecido empresarial, bem como a coordenação com as instituições do saber como a UBI e o IPG que valorizassem os nossos produtos endógenos. Urbi: O país atravessa um grave momento social. Diante dos escândalos de corrupção e falências que marcaram o ano de 2014, como qualificaria a sociedade portuguesa actualmente? D. Manuel Felício: Os últimos factos dizem-nos que nós precisamos de uma sociedade mais transparente. Existem instituições que se encarregam dessa regulação que nos traz a transparência de conhecermos esses processos. Essas entidades reguladoras têm de o fazer com princípios éticos, que me parecem estar a ser alvo de preocupação da parte da justiça. As intromissões indevidas nos muitos processos judiciais têm feito deles uns "reality show’s" e isso prejudica as averiguações, como muitas pessoas que nele estão envolvidos. Há um horizonte de esperança que se coloca à nossa frente, temos de olhar estas realidades com essa mesma esperança. Urbi: Nomeado Bispo por João Paulo II, assumiu a Diocese no mesmo ano em que Bento XVI assume o papado agora entregue a Francisco. Como analisa a diferença na governação da Igreja destas três figuras tão diferentes? D. Manuel Felício: Destes três últimos Papas, dois deles vieram de longe e um deles mais de perto. João Paulo II veio da antiga cortina de ferro e Francisco chega-nos da América Latina, por sua vez Bento XVI chegado de dentro da Europa. João Paulo II foi recebido na Europa com uma certa desconfiança em relação ao que se passava no Leste, mas com o seu carisma e fidelidade à doutrina evangélica conseguiu cativar multidões e atravessar o Mundo. O Papa Francisco tem-nos feito perceber que é necessário voltar ao essencial da mensagem cristã. Este Papa que herdou o nome de Francisco de Assis está a fazer o mesmo que este Santo fez no seu tempo: pegar no Evangelho e dizer que é ele a nossa regra. Pelo meio tivemos o Papa Bento XVI que procurou dizer que nós, cristãos, queremos dar nosso contributo para o projecto da Europa. Identificou linhas concretas por onde a Europa tem de construir o seu futuro. Urbi: A Igreja atravessa neste momento um processo de mutação provocado pelo governo do Papa Francisco. Como analisa esta "evolução" da Igreja, que alguns querem apresentar como "revolução Francisco"? D. Manuel Felício: Não devemos ter medo da palavra revolução. Algumas matérias têm de ter revoluções e cortes para que possam mudar. A nossa forma de exercer o poder eclesiástico tem de mudar e por isso o Papa fala desta necessidade de mudança. Com isso provoca a revolução quando fala de uma Igreja de campanha ou de uma Igreja que não esteja fechada em si mesma. Não devemos, portanto, ter receio em falar numa revolução, que é positiva, com certeza. Urbi: A família tem estado no centro das preocupações do Papa, particularmente o acolhimento e papel que as famílias têm na sociedade e na Igreja. Aproximando-se o Sínodo que tratará de modo efectivo temas como o divórcio, o "recasamento", as uniões de facto ou de pessoas do mesmo sexo, quais são as perspectivas do Sr. Bispo sobre a forma de tratar estes temas? D. Manuel Felício: Estes foram temas fracturantes durante o Sínodo Extraordinário de Outubro passado que não tiveram a unanimidade desejada. O próximo Sínodo deve ser preparado por todas as Dioceses. O tratamento destas questões deve ser feito com um olhar sobre o ideal do "Evangelho da família", que é pensar no que é que a família tem a dar à sociedade e ao mundo. Este temas, que denominei de fracturantes por terem dividido de algum modo o pensamento do Sínodo, têm de ser analisados para que se possa perceber quais os caminhos que se devem apontar como realidade familiar e como acolher estas novas situações que se distanciam daquela meta, que não é somente cultural, mas antropológica. Urbi: Perguntava-lhe também como vê a relação entre a Diocese e as Instituições de Ensino Superior que nela estão presentes? D. Manuel Felício: O objectivo de colocar a UBI ao serviço da nossa região tem estado bem visível no trabalho do actual Reitor. Também o Instituto Politécnico da Guarda tem posto ao serviço da comunidade algumas das descobertas e inovações que dali saem. Porém isso ainda não será o suficiente. É necessário que as instituições do saber estejam em estreita colaboração com os produtores da actividade económica e social, onde a tutela terá uma palavra a dizer. Quanto às ligações da Igreja com a UBI, nós desejamos fortalece-las, com a nossa presença humilde e simples, dizendo que estamos presentes para ajudar, jovens, professores e funcionários. Ajudar a descobrir como o saber tem de se transformar em sabedoria para ser motivador de vida com qualidade. Este é o diálogo entre a cultura da universidade e a fé, necessários para a adultez da forma como uma Universidade encara o futuro. Destaco o trabalho de colaboração da UBI com a Cáritas Diocesana na definição de objectivos e prioridades de pastoral social e este é um projecto que há-de evoluir.
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