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Escândalo e Corrupção em Portugal
Hélder Prior · quarta, 26 de novembro de 2014 · @@y8Xxv
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21976 visitas Do Freeport ao Face Oculta, do Monte Branco ao BES, do escândalo dos vistos dourados à prisão preventiva do ex primeiro-ministro. As últimas semanas confirmam que vivemos na era do escândalo, e não apenas em Portugal. No Brasil, o escândalo da Petrobrás revelou um esquema de corrupção envolvendo grandes empreiteiras e políticos importantes, e em Espanha Mariano Rajoy pediu desculpa pelos escândalos que assolam o seu partido. Mas o que é o escândalo político? Qual é o significado da palavra “escândalo”? Como se configura no debate público? A palavra skándalon foi usada na tradução do Antigo Testamento Hebraico para designar uma “ocasião de tropeço”, uma falha ou uma conduta pecaminosa que conduz um indivíduo à ruína. “Recomendo-vos, irmãos, que não percais de vista aqueles que provocam escândalos e que vos desvieis deles”, escreveu o apóstolo Paulo na Carta aos Romanos. Sociologicamente, o escândalo é interpretado como uma ofensa aos valores que a sociedade partilha e, do ponto de vista político, aponta a derrogação dos procedimentos que regem o exercício do poder. É por isso que não há escândalo sem a transgressão de certas normas e, por outro lado, sem a disseminação da transgressão, sem a existência de um público que se sente ofendido pelo comportamento escandaloso. Apesar das palavras escândalo o corrupção se encontrarem frequentemente associadas, a sua relação à meramente casual. Para que um acto corrupto dê lugar a um escândalo é fundamental que a transgressão se converta num elemento visível, se ofereça aos olhos do público. O escândalo apenas se constitui a partir do momento em que a transgressão se publicita, causando sentimentos generalizados de reprovação e indignação. De outro modo, a corrupção existirá ainda que os actos que lhe deram origem se mantenham ocultos. Mas os escândalos, tal como os conhecemos hoje enquanto escândalos mediáticos, devem-se a um conjunto de transformações políticas e sociais que ocorreram em finais do século XVIII e inícios do século XIX, transformações que contribuíram para converter o jornalismo num campo de acção relativamente autónomo, e que incorporaram os princípios da visibilidade e da transparência na gestão dos assuntos da res publica. Inclusivamente, foi nesta altura que surgiu o conceito moderno de notícia, não apenas como algo que se torna noto, conhecido, mas como algo que deve ser descoberto mediante um processo de investigação. E não esqueçamos que no caso dos escândalos políticos, os factos nunca se encontram à “superfície”, sobretudo porque a democracia, que deveria definir-se como o governo do poder visível, continua repleta de espaços sombrios, de zonas ocultas, de “poder invisível”, como diria Norberto Bobbio. A representação política deu lugar ao seu avesso, à representação de interesses parciais ou individuais, e, quando a política como profissão se encontra ao serviço de interesses contrários ao bem comum, normalmente o escândalo político emerge como característica da vida pública. Trata-se da perseguição de “interesses agradáveis ou vantajosos”, como escreveu o Cardeal Richelieu no seu Testamento Político, que normalmente são contrários aos interesses do Estado. Mas os escândalos político-mediáticos também se podem definir como narrativas complexas que se vão desdobrando em episódios principais e secundários à medida que se conhecem as transgressões, que as personagens são identificadas no enredo, e que os acontecimentos são contextualizados mediante estratégias que têm como objectivo permitir que o leitor compreenda o que está em causa, mas que também visam captar e reter a sua atenção, combinando factualidade e entretenimento, objectividade e subjectividade, efeitos de real e efeitos de sentido. No caso da recente detenção de José Sócrates, a serialidade do escândalo, o seu desdobramento em episódios sucessivos que estão a ser alimentados pelos media, indicia que as revelações se irão suceder em catadupa, de episódios mais simples, como a compra de milhares de exemplares do seu próprio livro, a episódios mais complexos, como os milhões na Suíça e o esquema Octapharma. Não obstante, o tempo dos media não é o tempo da Justiça, e não devemos ceder à tentação de fazer julgamentos de opinião pública relacionados com a espectacularidade e mediatização da prisão do ex-primeiro-ministro. Se as detenções dos “intocáveis” de outrora indiciam que algo pode estar a mudar na justiça, há uma coisa que ainda não mudou: os escândalos continuam a ser alimentados mediante fugas de informação e quebras do segredo de justiça, de uma justiça que diz tanto às escondidas, e quase nada em público. Ainda assim, mais do que em qualquer outro momento da nossa história política, faz sentido questionar: estarão os órgãos judiciais a atacar, com todas as suas forças, a representação de interesses parciais e a corrupção que se instalou na administração pública? Em nome do Estado de direito, é essencial que todo este espectáculo mediático tenha um sólido fundamento. Caso contrário, ao invés de se estar a combater a corrupção latente nas instituições, estaremos apenas a promover julgamentos na praça pública. |
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