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Entrevista a Passos Morgado
Letícia Ferreira · quarta, 27 de agosto de 2014 · @@y8Xxv Aquele que foi o primeiro reitor da Universidade da Beira Interior (UBI) recorda os momentos de uma vida, com destaque para a instalação da instituição na Covilhã. |
21977 visitas Cândido Manuel Passos Morgado nasceu no concelho de Guarda em 1934. Licenciou-se em Ciências Matemáticas na Universidade de Coimbra, tornou-se engenheiro aeronáutico em Loughborough College e doutorou-se em Ciências (Física) na Universidade de Lisboa. Em 1960, Passos Morgado ingressou no Quadro de Oficiais Engenheiros Aeronáuticos, tendo sido promovido a Major General em 1974. É conhecido em Covilhã por ter tido um papel fundamental na criação do Instituto Universitário da Beira Interior (IUBI), e mais tarde na sua conversão para Universidade da Beira Interior (UBI), tendo sido o primeiro reitor de ambas as instituições, entre 1980 e 1996. A Câmara Municipal de Covilhã atribuiu-lhe os prémios Medalha de Ouro de Mérito Municipal e o Diploma de Cidadão Honorário da Cidade da Covilhã em 1998. Em 2010 foi agraciado com a Grã Cruz da Ordem de Instrução Pública pelo Presidente da República, e no passado 30 de Abril foi-lhe concedido o título de Reitor Emérito.
– Qual é a importância da Educação Superior? – O Ensino Superior, para além de oferecer uma “formação avançada”, deve contribuir para o desenvolvimento das atividades de investigação fundamental e aplicada, consoante as áreas do conhecimento envolvidas. E, enquanto a investigação fundamental tem como objetivo a produção de novos conhecimentos sem se envolver de forma direta e imediata na sua aplicação, caberá à investigação aplicada transferir conhecimentos e tecnologia para a atividade económica sendo, para o efeito, indispensável capacidade de inovação, criatividade, liderança e empreendedorismo. A formação avançada ao nível do Ensino Superior é indispensável ao desenvolvimento dos sectores primário, secundário e terciário, sendo estes fundamentais para o desenvolvimento da economia de uma nação; e só com uma economia desenvolvida é possível praticar uma política de progresso e bem-estar. No entanto, não é só o Ensino Superior ao nível da formação avançada que é fundamental ao desenvolvimento da economia de uma nação, mas também um ensino de grau intermédio (secundário e médio). Por isso, há que ter presente que a cadeia do conhecimento deve poder contar com profissionais a vários níveis, capazes de se complementarem para que se atinja o objetivo final. Proceder de outro modo, como parece estar a acontecer em Portugal, não será possivelmente a via mais correta: de facto, os nossos licenciados, mestres e doutores emigram para o estrangeiro e, em Portugal, nem sequer ficamos com pessoal com uma preparação a nível secundário ou médio para a satisfação das necessidades mais básicas e prementes. Por exemplo, a Autoeuropa teve de fazer a formação do seu pessoal especializado, porque não encontrou em Portugal pessoal tecnicamente preparado para as tarefas a executar. Com esta grave lacuna é difícil, por um lado, atrair e fixar empresas estrangeiras em Portugal, mesmo tendo em conta o lançamento de medidas atrativas ao nível dos benefícios fiscais e das leis laborais e, por outro, desenvolver a competitividade das nossas empresas e, em particular, da nossa indústria e até dos nossos serviços.
– Acha que nos dias de hoje a importância dada ao Ensino Superior é diferente de há 30 anos atrás? – O Ensino Superior, que foi considerado durante muitos anos um privilégio de alguns e aceite como tal pela maioria da população, tornou-se mais recentemente, nos últimos 40 a 50 anos, assunto de central importância e de aceso debate, quer por parte dos estados modernos, quer por parte dos cidadãos. “Os dois maiores direitos que ao homem devem ser assegurados, são: o direito ao trabalho e o direito à instrução – o pão do corpo e o pão do espírito para todos os portugueses de boa vontade.” O não reconhecimento de qualquer destes direitos e, em particular, do direito à “Educação Terciária”, pode contribuir para a erosão de outros direitos, através da reorientação de energias criativas no sentido errado, tais como no envolvimento de jovens em fenómenos de holiganismo ou de outras desordens sociais (vd. Patterns and Policies in Higher Education, Peter Venables, pág. 17). No entanto, põe-se a questão: o Ensino Superior em geral e o ensino universitário em particular devem crescer de acordo com a procura? Muitos julgam que esta é uma alternativa errada e que a expansão do Ensino Superior (universitário e politécnico) deve ser ajustada tendo em conta as necessidades do país, isto é, em pessoal qualificado, e não à procura por parte de candidatos. A justificação para a tomada desta posição assenta no facto de serem naturalmente limitados (a nível de qualquer país e, muito em particular, no caso de Portugal), os recursos financeiros disponíveis, não sendo por isso possível o aumento progressivo de verbas para o Ensino Superior; e aumentando o número de alunos, sem o aumento das correspondentes verbas necessárias, terá lugar a degradação das atividades de investigação (e em especial, ao nível da investigação aplicada), com todas as consequências negativas daí decorrentes para a qualidade do Ensino Superior ministrado. Por isso sou levado a citar: “instrução aos mais capazes, lugar aos mais competentes, trabalho a todos, eis o essencial, e tudo mais, como no Evangelho, virá por acréscimo.”
– Como se sente ao ver o que é a Universidade da Beira Interior hoje? – Sinto-me duplamente satisfeito: como cidadão, porque não defraudei aqueles que em mim acreditaram; e como português, por ter contribuído para a dinamização de uma vasta região do interior de Portugal.
– O que acha do trabalho dos reitores da UBI que se lhe seguiram? – Desempenharam com entusiasmo, dedicação e competência o cargo em que foram empossados, contribuindo com a sua quota-parte para a projeção e afirmação da UBI, cumprindo-me, por isso, felicitá-los. – Já tendo sido agraciado com a Grã Cruz da Ordem de Instrução Pública e agora com o título de Reitor Emérito, como se sente com este reconhecimento do seu trabalho? – A Grã Cruz da Ordem de Instrução Pública e o título de Reitor Emérito foram-me atribuídos, respetivamente, 14 e 18 anos após a minha desvinculação da UBI em termos profissionais (mas não, naturalmente, em termos afetivos). Eles constituem o reconhecimento público, por duas entidades isentas, de que teria tido algum mérito o trabalho por mim desenvolvido em prol da instituição que servi durante 20 anos com total isenção e em dedicação plena, sem nunca permitir que alguém dela se servisse para a satisfação de interesses pessoais ou partidários. Na verdade, nunca me servi, nem deixei que outros se servissem, da instituição para fins que nada tivessem a ver com os seus objetivos essenciais. Com estas condecorações, são a minha isenção e a dedicação à instituição valores que muito prezo, que são publicamente reconhecidas.
– Sendo certamente difícil estabelecer uma universidade na serra, quais as maiores dificuldades que enfrentou? – De facto foi muito difícil instalar a UBI nesta região e, como referi na Oração de Agradecimento como Reitor Emérito, foram, na verdade, várias as dificuldades a ultrapassar e as “batalhas a travar”, pois eram diversas as forças que se opunham à existência de uma instituição universitária na Covilhã. Essas forças eram essencialmente: i) a nível interno, por parte de alguns membros do corpo docente do Instituto Politécnico da Covilhã (IPC), que viam com preocupação a exigência inerente ao prosseguimento de uma carreira docente na nova instituição; ii) a nível local, por parte de alguns notáveis da própria cidade, que viam na existência do ensino universitário na região uma ameaça aos seus privilégios; iii) a nível regional, por parte das cidades da Guarda e Castelo Branco, que, como capitais de distrito, se opunham, sem a garantia de contrapartidas, à criação de uma universidade na Covilhã; iv) e, acima de tudo, a nível central, por parte do Governo de então e do partido que o apoiava, o qual se opôs tenazmente na Assembleia da República à conversão do IPC em UBI. Como refere o Sr. Reitor António Fidalgo, na página web da UBI, “para afirmar e defender a UBI” houve que travar algumas batalhas “com o poder central e com o poder local”. No entanto, de um modo geral, elas terminaram, felizmente, a favor da UBI, após uma análise objetiva, por gente de bem, dos valores em jogo, sendo um deles, e o mais determinante, a necessidade de combater a desertificação de uma vasta região do interior com algumas potencialidades. Eu fui, de 1976 a 1996, sem o prever e nunca o desejar, um interveniente ativo na evolução do IPC em IUBI e, posteriormente, em UBI, e ainda hoje me interrogo, perante tantas dificuldades que se tiveram de enfrentar, como foi possível, de uma instituição em fase moribunda, na sequência do Despacho n.º 300/78 de 28 de Outubro, transformando o IPC em estabelecimento de Ensino Superior Curto, termos hoje uma universidade que é motor de desenvolvimento da Região da Beira Interior e, em particular, da Covilhã. A propósito daquele despacho, é interessante referir o que dizia o Professor António Brotas, Secretário de Estado do Ensino Superior: “não terá havido na história da Administração Pública Portuguesa, um diploma cujas consequências tenham sido tão opostas aos objetivos pretendidos”. De facto, um diploma que pretendia converter o IPC em estabelecimento de Ensino Superior Curto, contribuiu para que ele fosse convertido em IUBI e, posteriormente, em UBI.
– Teria feito alguma coisa diferente ao longo da sua carreira? – Provavelmente teria. Se soubesse em 1975/1976 que a degradação da situação económica e política em Portugal, na sequência dos desvarios que então iam sendo cometidos, só se iria sentir cerca de 35 anos mais tarde, teria permanecido em Lisboa, desempenhando as minhas funções na Força Aérea como Major General Engenheiro Aeronáutico e continuando a exercer funções docentes na Universidade de Lisboa. Após passagem à reforma da Força Aérea poderia passar a desempenhar funções de engenheiro numa empresa ligada ao sector aeronáutico e a lecionar na Universidade Católica ou numa universidade privada em Lisboa. Esta alternativa, era menos arriscada e, em termos financeiros, mais vantajosa do que a minha vinda para a Covilhã, face às dificuldades que se tiveram de enfrentar, contrariamente ao que era então expectável. Por outro lado, a vinda para a Covilhã representou para os meus filhos um grande inconveniente, tendo sido privados de uma educação de qualidade a nível do secundário, em particular no que concerne à aprendizagem do inglês, língua que não era então lecionada nas escolas secundárias que frequentaram. Cumpre-me, no entanto, referir que fizemos eu, a minha mulher e os meus filhos grandes amizades que muito contribuíram para que consideremos a cidade da Covilhã a nossa terra, à qual nos sentimos ligados sentimentalmente, tendo-me sido conferido em 20 de outubro de 1988, pela Câmara Municipal da Covilhã, o respetivo diploma de Cidadão Honorário de que muito me honro. Não se pode ter tudo, e se a minha vinda para a Covilhã teve, para mim e para a minha família, inconvenientes, teve, também, vantagens apreciáveis. Por outro lado, sentir-me-ei totalmente recompensado dos sacrifícios feitos se a minha ação em prol da UBI vier a contribuir de forma definitiva para o desenvolvimento harmonioso da região, para que se torne indispensável que todos quantos naquela trabalham assumam as suas responsabilidades, cumprindo as funções que lhe cabem, sem dela se servirem, sendo, em conformidade, indispensável acabar com alguns “abusos” existentes e, em particular, com o absentismo, tanto a nível do corpo docente, como do dos funcionários. Estamos em crise e o pessoal que não tenha cumprido as suas obrigações ao serviço da UBI contribuiu para o agravamento da mesma e, por isso, deverá ser o primeiro a ser dispensado quando o momento chegar (ou seja, quando tiver lugar uma verdadeira reforma do Estado); e não só esse pessoal, mas também todo aquele que tenha contribuído para a delapidação dos dinheiros públicos. A UBI tem de ser uma instituição exemplar em todos os sentidos, e não um “feudo” de alguns. Tenho fundadas expectativas no reitorado do Professor António Fidalgo e, estou sinceramente convencido de que ele irá colocar a UBI no trilho certo.
– Na sua opinião, porque é que a Covilhã tem uma universidade e as duas capitais de distrito mais próximas não? – O Decreto-Lei n.º 402/73 de 11 de Agosto, relativo à expansão e diversificação do Ensino Superior, previa a criação, entre outros, de um instituto politécnico na Covilhã, de uma escola normal superior na Guarda e de outra em Castelo Branco, substituindo estas duas as respetivas escolas do magistério primário existentes naquelas cidades. A Comissão Instaladora do Instituto Politécnico da Covilhã foi nomeada em 11 de Setembro de 1974, enquanto que sobre as daquelas duas escolas normais superiores não disponho de dados concretos, julgando-se, no entanto, que só mais tarde lhes teria sido dada posse. Em 1977, o Governo de então começa a defender a existência do Ensino Superior Curto, tendo o mesmo sido efetivamente criado pelo Decreto-Lei n.º 417-B/77 de 14 de Outubro, e ratificado pela Lei n.º 61/78 de 28 de Julho. Em conformidade, o Instituto Politécnico da Covilhã, através do Despacho n.º 300/78 de 28 de Outubro, seria convertido e integrado na rede de estabelecimentos de Ensino Superior Curto a criar. No sentido de se contrariar a aplicação deste despacho, foi analisada a possibilidade de se converter o IPC, não num estabelecimento de Ensino Superior Curto, mas sim num instituto universitário, uma vez que a Decreto-Lei n.º 402/73 previa a existência deste tipo de estabelecimentos de ensino, tendo, em conformidade, sido criado o Instituto Universitário de Évora. Foi na sequência desta análise que se propôs a conversão do IPC em IUBI, o que veio efetivamente a ter lugar através da Lei n.º 44/79 de 11 de Setembro. Quanto às escolas normais superiores da Guarda e Castelo Branco, tem-se a ideia de que elas nunca tiveram expressão significativa, tendo, posteriormente, sido criados, em sua substituição, os respetivos institutos politécnicos, à semelhança do que aconteceu nas capitais de distrito (e não só, uma vez que em Tomar também foi criado um instituto politécnico) e, em particular, naquelas em que não existisse estabelecimento de ensino universitário.
– De ano para ano tem-se notado uma diminuição de candidaturas ao Ensino Superior, sendo a crise financeira um dos motivos. O que pensa disso? – Temos de fazer uma análise mais objetiva da causa da diminuição de candidatos ao Ensino Superior. Não se nega que a crise financeira seja um dos motivos dessa diminuição, mas também é certo que muitos jovens, com os pés assentes na terra, perante a crise em que nos encontramos, perguntarão: para que serve tirar um curso superior com cinco anos de duração, se em seguida, não consigo trabalho compatível? Julgo que não haverá nada mais frustrante do que um jovem, depois de 17 anos de estudos (doze anos de Ensino Básico e Secundário mais 5 de Ensino Superior), com um diploma na mão, ficar no desemprego e, possivelmente, durante muitos anos, ou mesmo, para toda a vida. Por isso, muitos jovens, em vez de prosseguirem estudos superiores (a nível politécnico ou universitário), preferem arranjar colocação e, não a conseguindo em Portugal, tentam a emigração, o que traz como consequência a diminuição e o envelhecimento da população portuguesa e que poderá vir a ter consequências catastróficas. Os políticos, nos últimos 40 anos, “destruíram Portugal”, e agora, somos todos nós, que sofremos as consequências dos erros por eles cometidos. Concluindo, vivemos uma grande crise de natureza económica e política, da qual não sabemos como sair, e por isso, a esperança em melhores dias é cada vez mais remota.
– Que conselhos daria ao atual reitor? – O atual reitor não precisa dos meus conselhos, até porque tem, hoje em dia, uma visão da instituição mais completa do que eu. Ele conhece, melhor que ninguém, os atuais problemas da UBI, e estou sinceramente convencido de que os saberá ultrapassar com mestria, tomando, em cada momento, as decisões que se imponham, “doa a quem doer”. Ainda assim, inspirando-me na Universidade Católica, onde eu e o Sr. Reitor António Fidalgo fomos professores, permito-me sugerir, a possibilidade da UBI, no sentido de arrecadar receitas, considerar a possibilidade de oferecer Cursos de Formação Avançada para Executivos.
– E ao atual ministro da Educação? – Estou sinceramente convencido de que, tendo em conta a escassez dos nossos recursos financeiros, estamos a gastar dinheiro a mais na educação (e não só!) a todos os níveis e, em particular no Ensino Básico e Secundário, onde o custo por aluno chega a ser maior do que no Ensino Superior (politécnico e universitário), de acordo com dados emanados do Ministério da Educação e divulgados pela imprensa. Portanto, a primeira sugestão que posso fazer ao Sr. Ministro da Educação é a de que devem ser tomadas as medidas necessárias para a redução destes custos (bem como, também, dos custos a nível do Ensino Superior), pois não pode ser o contribuinte a sustentar os desperdícios que têm lugar. A segunda sugestão tem a ver com a possibilidade de dar formação profissional no Ensino Secundário e até no Básico, o que, de acordo com notícias da imprensa parece estar nos planos do Sr. Ministro ao ter-se deslocado à Alemanha para ver como neste país se faz a formação de técnicos especializados, a este nível, destinados a trabalhar nas empresas, sejam elas de que naturezas forem. A terceira sugestão é de que não sejam desperdiçados os dinheiros dos fundos comunitários em cursos de formação sem qualquer interesse para os formandos e ainda menos para Portugal, ministrados por “docentes” a quem se pode aplicar o dito de Bernard Shaw: “Quem sabe, faz, quem não sabe, ensina”. Estes cursos parecem não depender do Ministro da Educação, mas considera-se que o Sr. Ministro deve, em Conselho de Ministros, chamar a atenção para este escândalo a nível nacional que só contribui para a degradação do país. Finalmente, a quarta sugestão é o encerramento definitivo dos cursos e, até, das instituições que não tenham número de alunos que justifiquem o seu funcionamento.
– Tem alguma mensagem a deixar à comunidade ubiana? – Desejo a todos quantos trabalham na UBI, docentes, funcionários e alunos, as maiores felicidades e espero sinceramente que contribuam, e cada vez mais, com a sua quota-parte para a afirmação da UBI a nível nacional e internacional. Em particular aos alunos, razão de ser da instituição e em quem recairá, pela sua juventude, a maior esperança na construção de um Portugal mais próspero, mais culto e mais fraterno, desejo os maiores sucessos profissionais, esperando que eles, com o seu exemplo e a sua intervenção – a nível profissional, social e cívico – possam contribuir para salvar o país do caos em que políticos o lançaram. |
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