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Entrevista a José Soeiro
“ A terra pertenceu ao povo, e é ao povo que deve continuar a pertencer”.
Célia Fonseca · quarta, 3 de setembro de 2014 · Nacional José Soeiro é um homem com esperança num país melhor e um defensor nato da terra pertencente aos agricultores. Entre os 15 e os 16 anos despertou para a vida política devido às influências que sentia em casa. Foi militante do PCP, trabalhador agrícola, fundador e dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do distrito de Beja. Impulsionou a defesa da Reforma Agrária e recentemente lançou o livro com o mesmo título. Na UBI deu a conhecer essa sua obra. Foi lá que o entrevistamos, para conhecer uma vida de militância ao serviço do PCP. |
José Soeiro em Conferência na UBI. |
22012 visitas URBI et ORBI - Como era a militância antes e após o 25 de Abril? José Soeiro: A militância política antes do 25 de Abril só era legalmente permitida aos defensores do regime fascista com algumas falsas aberturas no momento das farsas eleitorais. Os democratas que se lhe opunham, em particular os comunistas, eram perseguidos, presos, torturados e alguns foram mesmo assassinados pelos esbirros do regime. O 25 de Abril restaurou a liberdade e abriu portas à livre militância política hoje consagrada na Constituição da República como um direito fundamental de todos os cidadãos. URBI et ORBI - Participou diretamente na luta da reforma agrária? Pessoalmente, como a descreve? José Soeiro: As circunstâncias ditaram que fosse um dos muitos activistas que intervieram na sua realização. Como é sublinhado em “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” os acontecimentos vividos nos primeiros anos após o 25 de Abril de 1974 poderão, com toda a legitimidade, considerar-se mais como uma revolução do que como uma reforma. Partilho as muitas e qualificadas opiniões de que a Reforma Agrária Portuguesa foi uma das mais belas conquistas de Abril, a “menina dos olhos da revolução”. URBI et ORBI - Fez parte dos sindicatos agrícolas em 1975? José Soeiro: Sim, fui sócio fundador do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Beja e um dos seus dirigentes entre 1974 e 1978. URBI et ORBI - Os latifúndios foram realmente uma das principais causas da desertificação do Alentejo? José Soeiro: O latifúndio constituiu inegavelmente um dos factores do atraso e subdesenvolvimento do Alentejo. URBI et Orbi – Um dos fundadores do PCP foi Manuel Quartel Ferreira, que pertencia ao Congresso dos trabalhadores rurais. Isso trouxe algumas melhorias ao sector agrícola? José Soeiro: O trabalhador agrícola Manuel Ferreira Quartel foi um dos fundadores do PCP e um muito destacado dirigente dos trabalhadores agrícolas. A sua acção foi muito importante não só para a organização do movimento sindical agrícola logo após a implantação da 1ª República mas também para o desenvolvimento da luta dos trabalhadores agrícolas por melhores condições de vida e trabalho. URI et ORBI - A luta pela reforma agrária levou à morte de muitos agricultores que queriam melhores condições. Recorda-os no seu livro? José Soeiro: Se considerarmos a luta por melhores condições de vida e de trabalho e pelo direito ao emprego como parte do processo de luta que conduziu à Reforma Agrária da Revolução de Abril de 1974 podemos afirmar que foram vários os trabalhadores agrícolas assassinados pela repressão da ditadura fascista e alguns desses trabalhadores são efectivamente invocados em REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo. Já no decurso da contra Reforma Agrária foram também barbaramente assassinados dois trabalhadores agrícolas, crime que até ao presente continua impune. URBI et ORBI - Já depois do 25 de Abril, que intervenções houve na agricultura? José Soeiro: Intervenções houve muitas. Positivas e da maior relevância foram sem dúvida as transformações levadas a cabo pelos trabalhadores e associadas à Reforma Agrária. Basta olhar para os resultados apresentados nas sucessivas Conferências da Reforma Agrária. Negativas e verdadeiro crime económico e social foram sem dúvida a destruição da Reforma Agrária e a algumas das medidas associadas à Política Agrícola Comum (PAC). URBI et ORBI - Um dos nomes sonantes da Reforma Agrária é Vasco Gonçalves. Ele afirmou que “a revolução agrária foi única no mundo” e que foi uma luta “que surgiu de baixo”. O que tem a dizer sobre isto? José Soeiro: Que são afirmações fundamentadas e verdadeiras e que Vasco Gonçalves ficará para sempre na História como o genuíno militar de Abril que assumindo as funções de Primeiro-Ministro teve sempre presente na sua acção os interesses do Povo e do País, ao contrário dos que nos últimos 38 anos, virando costas aos valores de Abril, conduziram Portugal ao desastre em que hoje nos encontramos. URBI et Orbi - Antes da reforma agrária como o regime de gestão da terra em vigor? José Soeiro: A ditadura fascista foi sempre considerada como a ditadura dos monopólios e dos latifundiários porque toda a sua política era orientada no sentido de servir os seus interesses em detrimento dos interesses do Povo e do País. Monopolistas e latifundiários eram suportes da ditadura. URBI et ORBI - No Alentejo, em 1910, realizaram-se várias greves e revoluções dos operários agrícolas. Considera que tem vindo a ser uma luta constante devido a todas as alterações que se têm assistido hoje em dia a nível da agricultura? José Soeiro: Os trabalhadores agrícolas foram sempre alvo de uma desenfreada exploração e submetidos a condições de vida extremamente injustas e desumanas. Daí a sua luta constante ao longo da história. O 25 de Abril permitiu-lhes conquistar e afirmar a sua cidadania e melhorar substantivamente as suas condições de vida e de trabalho, mas a ofensiva que tem vindo a ser conduzida contra o mundo do trabalho torna cada vez mais precárias as suas condições de vida o que determina a necessidade e importância do prosseguimento da sua luta. URBI et ORBI - A reforma agrária foi fundamental para a criação de uma sociedade socialista? José Soeiro: A Reforma Agrária foi consagrada na Constituição da República, em 2 de Abril de 1976, como uma conquista irreversível da Revolução de Abril com os votos favoráveis do PCP, do PS, do PSD, do MDP e o aval dos militares. O Socialismo era defendido por todos os Partidos e pelo MFA e como tal foi consagrado também na Lei Fundamental do País. A Reforma Agrária era assumida por todos como pilar essencial para a construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna e solidária, uma sociedade livre de todas as formas de exploração e de opressão do homem pelo homem, a Sociedade Socialista. URBI et ORBI - Porque é que a reforma agrária, tal como a conceberam os seus mentores, falhou? José Soeiro: Porque os Governos constitucionais que se formaram a partir de 1976, tendo como forças principais o PS e o PSD e onde participou também o CDS, traíram a Constituição da República que haviam votado e jurado defender e cumprir, meteram na gaveta os programas que consagravam a Reforma Agrária e o Socialismo com que se haviam apresentado aos portugueses, e optaram por desenvolver políticas que eram o inverso das que proclamavam em vésperas de eleições. Os resultados dessa política contra as conquistas e os valores de Abril estão à vista. De um lado os ricos cada vez mais ricos e do outro um número crescente de famílias atiradas para situações de pobreza. URBI et ORBI - Só lançou este livro 40 anos depois da reforma agraria. Porquê? José Soeiro: Porque a intensa actividade política em que andei sempre envolvido me não permitiu fazê-lo há mais tempo. Fui sempre considerando como prioritário o que então me ia sendo proposto fazer. URBI et ORBI - Hoje em dia como sente que está a nossa agricultura e os nossos agricultores? José Soeiro: De rastos. Portugal importa cerca de 75% do que consome no sector agro-alimentar. Não há estratégia para o sector e, é triste dizê-lo mas é a dura realidade, a defesa da nossa soberania alimentar há muito que deixou de ser uma preocupação para quem tem governado Portugal. A digna profissão dos que trabalham a terra foi desvalorizada e desqualificada. Há apoios e dinheiro para os grandes proprietários, em muitos casos para deixar as terras sem produzir, mas não há os apoios indispensáveis aos pequenos e médios agricultores. Fala-se muito mas pouco ou nada se faz. URBI et ORBI - Uma possível saída desta crise económica passaria por uma reorganização da agricultura? José Soeiro: A saída da crise exige uma ruptura clara com as políticas económicas, sociais, fiscais e financeiras que têm vindo a ser seguidas e que estão na origem da grave crise que o País está a viver. O aproveitamento de todo o nosso potencial produtivo é sem dúvida uma primeira prioridade e nesse plano a agricultura constitui seguramente uma das várias potencialidades que urge colocar ao serviço do desenvolvimento. URBI et ORBI - Estamos no Interior, onde não há grandes motivos para a fixação de população, e que é visto por muitos como uma zona rural. O que acha que devíamos fazer para desmistificar esta ideia? José Soeiro: O problema não está em considerar-se o interior como uma zona rural mas sim na ausência de políticas que tenham como objectivo o combate efectivo às assimetrias existentes entre o interior e o litoral. Interioridade e ruralidade não têm que ser obrigatoriamente sinónimo de atraso, subdesenvolvimento, envelhecimento e desertificação como actualmente sucede. A Reforma Agrária de Abril foi um excelente exemplo, que importa ter presente, de como é possível revolucionar o interior e fazer dele uma zona de atracção e fixação da população. O problema que temos é em primeiro lugar um problema de natureza política. Portugal precisa de governantes que olhem para o Povo e para o País como um todo e que não estejam virados apenas para os interesses dos grandes grupos económicos e financeiros. Precisamos de governantes sem subserviência face aos interesses do grande capital, sobretudo o capital financeiro, venha ele disfarçado de mercados, FMI ou BCE. URBI et ORBI - Como acha que se incentivam os jovens para a agricultura? José Soeiro: Desde logo valorizando a agricultura como actividade estratégica e essencial para a salvaguarda da nossa soberania alimentar. São necessárias políticas que permitam obter condições de vida dignas a quem opta por trabalhar a terra ou desenvolver actividades a esta associadas. Também nesta matéria a Reforma Agrária de Abril constitui um bom exemplo. Ela não só abriu portas a uma nova agricultura como rasgou novos horizontes para os jovens das nossas comunidades rurais.
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