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Entrevista a Manuel da Silva Ramos
Carla Lobo · quarta, 12 de junho de 2013 · Eu acho que temos uma das melhores literaturas da Europa e até do mundo, mas os editores, cada vez mais, procuram best- sellers, nomes internacionais ou livros que se vendam bem, e isso prejudica a literatura |
Manuel da Silva Ramos fala sobre a sua mais recente obra literária |
21975 visitas URBI: Sei que foi para Lisboa estudar Direito. Fale-me dessa época. MSR: Eu comecei a estudar Direito em 1966, na Faculdade de Direito de Lisboa, onde fiquei até 1970, e durante os quatro anos que frequentei não passei do segundo ano, porque nesse tempo de pleno Fascismo não gostei muito do clima que se vivia na Faculdade. Cheguei a ter como professor o Marcelo Caetano, que mais tarde seria Primeiro-Ministro de Portugal, sucedendo a Salazar. A Faculdade de Direito de Lisboa era um antro de pessoas muito conservadoras, pelo que eu sentia-me mal nesse contexto. Curiosamente, pertencia à Associação de Estudantes de Direito, que era de esquerda e contra o regime, mas não guardo grandes recordações desse tempo, terrível! Portanto, eu passava a vida a escrever e rapidamente em 1968 ganhei um grande prémio literário, no fundo, eu enganei-me no curso, eu devia ter ido para Letras. URBI: Porque acabaria mais tarde por se exilar em França? MSR: Em 1970 exilei-me em França para fugir ao Fascismo, mas também por vários outros motivos. O primeiro, foi pelo clima político que existia nessa altura. Como fui sempre contra o regime, sempre tive ideias esquerdistas. No fundo, exilei-me por questões políticas, porque vi que o fascismo ia continuar e eu já não podia mais e, também, ver os estudantes franceses fazerem a revolta estudantil em França, cativou-me para ir. Em segundo lugar, por uma razão sexual. Nessa altura em Portugal não havia “sexualidade”, a virgindade era eleita como o supra-sumo dos costumes dessa época e não havia uma sexualidade aberta como hoje há. Exilei-me, também, por uma questão militar, porque tinham-me chamado para a tropa e eu não quis servir o exército colonial, aliás, eu detesto fardas, sempre fui muito rebelde! Depois, em quarto lugar, por uma questão cultural, porque sempre tive uma cultura francesa e com quinze anos já lia livros em francês, mas não havia muitos em Portugal, porque os livros eram proibidos, e indo para França, procurei um desenvolvimento cultural e literário mais apropriado e melhor. Foram sobretudo essas as razões. URBI: Escreve muito sobre a Covilhã. Como é que a cidade tem reagido às suas obras? Já teve problemas por causa disso? MSR: Eu acho que têm reagido bem às minhas obras, por exemplo, quando eu aos 21 anos ganhei o Grande Prémio de Novelística Almeida Garrett, acho que as pessoas ficaram orgulhosas de um covilhanense em 1968 ter ganho um grande prémio literário, e acho que as pessoas têm orgulho em ter um escritor na cidade, que ganhou esse prémio. Eu sei que algumas pessoas não ficaram contentes quando eu publiquei o “Café Montalto” porque nesse livro estou a favor dos operários, mas na vida não podemos ter uma atitude maniqueísta, nós temos que ver com justiça o que a vida nos apresenta URBI: Quanto ao seu novo livro “Pai, levanta-te, vem fazer-me um fato de canela”. É uma homenagem ao seu pai? MSR: Sim, é uma homenagem ao meu pai porque o meu pai era um alfaiate do Refúgio, que antigamente era uma aldeia, e que viveu a maior parte da sua vida ali. Ele tinha numa oficina de alfaiate e eu tinha-lhe um grande amor, e ele também por mim. Eu admirava-o, era um homem com uma grande experiencia de vida, um homem generoso, bondoso e que ajudou imensa gente. Quando ele morreu em 2005, com Alzheimer, eu imediatamente escrevi o livro no espaço de 4-5 meses e esse livro só agora foi publicado, passados quase 8 anos. Estou muito contente com o resultado, porque fiz uma grande homenagem ao meu pai, mas o livro não é só isso… URBI: O que o levou, então, a escrever este livro? MSR: Este livro também é sobre a minha infância, ao mesmo tempo que desenvolvo a vida do meu pai eu falo da minha vida até aos onze anos, das recordações de infância até essa idade; mas é também uma descrição da vida do Refúgio naqueles tempos, nos anos 50 e 60. O Refúgio era a ruralidade e as fábricas, havia quintas mas era também um local onde havia muitos operários. Eu descrevo aquela sociedade dos anos 50 e 60, bem como, os casamentos, porque o meu pai foi padrinho de 41 casamentos. Já podemos, então, explicar o título do livro “Pai, levanta-te, vem fazer-me um fato de canela”, porque quando o meu pai era convidado para ser padrinho de casamento, como as pessoas nessa altura não tinham dinheiro para fazer um fato, convidavam o meu pai para ser padrinho porque assim tinham um fato de borla para ir ao casamento. Nessa altura um fato era caríssimo. Nesses casamentos, que eram de três dias em quintas, e por volta das nove, dez horas da noite, eu tinha cinco, seis anos, estava cansado e a minha mãe levava-me nos braços e colocava-me num quarto, sem janelas, onde as pessoas colocavam as sobremesas nas camas. Geralmente eram travessas de arroz doce, e a minha mãe deixava-me ali deitado ao lado das travessas de arroz doce, e eu passei a minha infância a sentir esse cheiro da canela, daí o nome do livro. URBI: Em que categoria insere este livro? Apesar de o editor o ter caracterizado como romance… MSR: É sobretudo um livro de memórias. O livro é todo verdadeiro, com nomes de pessoas, com coisas que aconteceram, mas também há dois capítulos que são inventados por mim para embelezar a obra e, talvez por isso, o editor quis colocar romance. Eu gosto muito de dois capítulos, um é “Os fatos também sonham”, em que os fatos sonham com a vida, e outro que é uma passagem de modelos de mortos com fatos vestidos, um feito pelo meu pai outro por outro alfaiate, de Alcácer do Sal. Mas eu acho que é mais um livro de memórias. URBI: Então, ficamos a conhecer, também, algo mais relativamente à Covilhã e ao Refúgio daquela época? MSR: Sim, eu acho que este meu livro é complementar do “Café Montalto”, porque com estes dois livros, nós temos uma visão ampla do que foi a cidade e os seus subúrbios. Enquanto no “Café Montalto” ficávamos a conhecer a Covilhã nos tempos áureos dos Lanifícios, neste havia um personagem que ia ao Refugio, no “Pai, Levanta-te(…)” há um personagem que vai à Covilhã, portanto, há uma ligação, são livros complementares. URBI: Com já cerca de 17 livros publicados, sendo este o seu 18º, que expectativas vê para a literatura nacional? MSR: Eu acho que temos uma das melhores literaturas da Europa e até do mundo, mas, paradoxalmente, conhecendo bem a literatura portuguesa e já tendo apresentado quase 80 escritores vivos nos Cafés Literários, há duas coisas que nos “levam” muito. Uma é que temos poucos leitores, e outra é que os editores, cada vez mais, procuram best-sellers, nomes internacionais ou livros que se vendam bem, e isso prejudica a literatura. A literatura não é só venda de livros, a literatura é uma arte e, portanto quando os editores não apostam em artistas, em grandes escritores, tudo vai por água abaixo. O que eu acho é que, agora, e cada vez mais, estão a aparecer pequenos editores que estão a apostar em obras muito boas, e isso é fundamental atualmente, porque a literatura passa também pelos pequenos editores. Estas pequenas editoras estão a ir contra a corrente das grandes editoras, que só querem vender. URBI: Tem colaborado com a Câmara nos últimos anos. É um artista do regime? MSR: Eu independentemente da cor política das pessoas, o que me interessa é a Covilhã, desenvolver a sociedade e a cultura. O que é importante aqui na Covilhã, e o facto de ter sido convidado para dirigir os Cafés Literários, é que a minha aposta na cidade foi para desenvolver culturalmente o Interior e dar mais possibilidade às pessoas de verem escritores, que por vezes estas pensam estar numa “torre de marfim”. É com amor à literatura que faço isso. URBI: Tem planos para um futuro livro? MSR: Sim, eu estou sempre a escrever. Tenho um romance já feito, que se chama “A Revolta dos Papagaios” e que como é um livro muito ambicioso, de 400 páginas, a Dom Quixote não quis editá-lo, nem a Tinta da China, porque são livros muito grandes. Eu tentarei ainda este ano publica-lo numa pequena editora, porque acho que o mais importante, nas pequenas editoras, é que a grande literatura passa por aí. Já estou a concluir outro romance, e ao mesmo tempo por encomenda de um outro pequeno editor, estou a escrever uns contos. |