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Tradições tentam resistir e o fiado quer regressar
Ana Rita Pinto e Rita dos Santos e Márcio Campos e Vanessa Santos e Joana Gabinete e Liliana Santos e Célia Fonseca e Ignacio Mateo e Augusto Domingues e Daniela Berrincha · quarta, 19 de dezembro de 2012 · São 17h30, época natalicia. Existe algum movimento nas pequenas lojas, mas são mais as pessoas que passam para ver do que para comprar. O pequeno comércio da cidade vai sobrevivendo e lutando perante a crise que se instalou no país. |
O comércio tradicional tenta recuperar alguma dinâmica durante a época natalícia |
21960 visitas Numa loja de produtos regionais, um espaço aconchegante, os funcionários mostram simpatia. "Este tipo de lojas ainda não têm muita razão de queixa. Claro que há quebras, mas os clientes que podem ainda compram qualidade", diz a funcionária da Queijaria Seia. "Ao contrário da maioria das lojas do centro, estamos abertos aos sábados, domingos e feriados", acrescenta, argumentando que "isso também contribui muito para que nos vamos mantendo". No entanto, a concorrência tem enfraquecido o comércio de produtos tradicionais. Desde a abertura do centro comercial Serra Shopping, muitas pessoas preferem a comodidade de lojas num único espaço, abertas sete dias por semana, com fácil acesso e estacionamento gratuito. Uma lojinha cheia de brinquedos de madeira, de coleções de super-heróis, dos soldadinhos de chumbo, para miúdos e graúdos, também é abafada pelas grandes superfícies, que têm materiais de menor qualidade e muitas promoções, na opinião de Maria de Lurdes, mãe das proprietárias da loja, que existe há quatro anos. “Cinquenta por cento nem pensar! Vamos pôr umas coisas a 30 ou 25 por cento e mesmo assim já é a esticar, esticar para não perder nada!”, afirma a dona Lurdes. O cantinho “João Ratão” não tem a mesma margem de lucro que o grande comércio, nem pode competir com as promoções. Quando se entra na loja, não se quer sair, o desejo de voltar à infância apodera-se dos clientes, mas há o risco de ser acordado com o pesadelo da crise. As pessoas procuram coisas mais baratas e, neste Natal, não se tem notado muita afluência, segundo as proprietárias. As proprietárias da loja “João Ratão” apostaram na diferença, criando uma loja de brinquedos tradicionais e de coleção, mas o tempo dirá se esta tradição resiste à baixa do poder de compra. Com a crise e a concorrência dos grandes, alguns pequenos comerciantes voltam a fiar, ou a ser confrontados com o regresso do regateio por parte dos clientes. Maria Bárbara, comerciante de frutas e legumes no Mercado Municipal confessa que fiar é uma estratégia que utiliza para segurar os poucos clientes que ainda tem. “Eu tenho uma cliente que levou no sábado fiado, hoje veio pagar o fiado, e voltei-lhe a fiar até quinta ou sexta-feira”, conta a vendedora. Quando o valor das compras é mais elevado, assume que não se sente confortável fiar. Mas Maria Bárbara acha que o fiado se justifica, porque nota as pessoas com menos dinheiro na carteira, às vezes dizendo que só têm moedas. “Já é bom quando vêm com moedinhas. Quando vêm sem nada é pior”, acrescenta com um semblante de preocupação. Com as dificuldades económicas, os consumidores tentam velhas práticas, como o regatear. Na loja Quadrazais, o funcionário Carlos Bernardo acredita que essa prática é um dos factores de reaproximação entre o consumidor e o pequeno comerciante. “Antigamente usava-se isso e agora volta-se outra vez ao antigamente, porque se puder tirar alguma coisinha… é que nas grandes superfícies não há isso”. No grande comércio é o contrário, diz o empregado: “os clientes não regateiam e pagam com o cartãozinho, nem vêem o dinheiro que vai, nem vêem se custa ou não custa a ganhar”. Alguns ofícios tradicionais também parecem ganhar agora uma segunda vida, mas o seu futuro continua incerto. É o caso da costura, cuja história reflete as oscilações entre auteridade e prosperidade. “Fiz de tudo um pouco”, refere Júlia Furtado, costureira de 62 anos que já teve várias ocupações profissionais devido à crise. Aos 11 anos deixou de estudar, contra a vontade dos pais, visto que a sua paixão era a costura. Fez várias formações na área, começando num pequeno bairro como aprendiz, passando por um alfaiate em Lisboa, até se sujeitar a trabalhar em casa por conta própria. Tornou-se modelista, costurou para as marchas populares de S. João e também para as noivas de S.Tiago na Covilhã. Quando foi mãe, optou por trabalhar em casa, mas o resultado não foi o esperado. Em vez de mandarem arranjar e encomendarem roupa por medida, as pessoas passaram a comprá-la em lojas. Por isso, foi obrigada a empregar-se novamente, em 2002, para poder pagar os estudos à filha. Mas o tempo trouxe novas mudanças. Hoje, com a crise, as pessoas “mandam arranjar cada vez mais roupa”, menciona tristemente. Só que, por vezes não a vão buscar, porque não têm dinheiro para pagar. Ao longo da carreira de modelista, o que mais marcou Júlia Furtado foi o facto de trabalhar muito e ganhar pouco. Acha, por isso, que a sua profissão não terá futuro. Melhor sorte vai tendo o ofício de consertar sapatos. “Uns pagam melhor, outros pior, mas clientes não me faltam”, exclama o senhor Alfredo, de 89 anos e há mais de meio século “a reparar o sapatinho”, como diz carinhosamente. “Conserto o sapato, o tacão ou a sola, e fica arranjado”, explica, rematando que as pessoas preferem pagar pelo arranjo do que comprar um par de sapatos novo, que fica mais caro. Por detrás de uma pequena porta, encerram-se os segredos do cantinho de sapateiro, guardados pelas mãos calejadas de um artesão bem-disposto. A amargura surge quando olha para o futuro: “Só deixo isto quando o Senhor me levar. Quando eu morrer, já ninguém lhe pega”. Com o sapato no regaço, ferramentas ao redor do banquinho que lhe sustenta a idade, o senhor Alfredo lá fica a trabalhar em mais um par de botas, na máquina ruidosa que alisa a pele do calçado. |