Urbi@Orbi - O período de acesso à universidade, para novos alunos, irá arrancar em breve. Como está a ser preparado todo esse processo?
Pedro Guedes de Carvalho - Em termos de faculdade esse trabalho tem estado descentralizado para os diretores de curso. Existem assim as mais variadas iniciativas, desde o irem às próprias escolas, fazer divulgação através de mensagens electrónicas, receber alunos de escolas e mostrar as capacidades da instituição, etc.
Este tipo de trabalho tem já alguma história na faculdade e tem vindo a ser reforçado nos últimos tempos. Os resultados estão à vista, por exemplo, no Departamento de Ciências do Desporto que há quatro ou cinco anos praticamente não tinha alunos do segundo e terceiro ciclo e agora está acima das expectativas, vendo-nos forçados a recusar candidatos, inclusivamente em doutoramento.
A nível nacional, em termos de primeiro ciclo, tenho uma opinião sobre a captação de alunos. Assim, não queria mais alunos, queria melhores alunos. Nós temos bons números à entrada com a maior parte, senão a totalidade dos cursos, a preencherem as suas vagas. O problema é que, quando os alunos chegam à universidade muitos não estão em primeira escolha e isso não representa os melhores alunos ou as melhores médias. Só vamos conseguir fazer melhor trabalho dentro da faculdade e melhor projeção dos cursos com bons alunos à entrada, porque aí, a faculdade trabalhando o que trabalha, faz bons profissionais. Aqueles que são razoáveis e aplicados saem daqui bons profissionais. Uma situação que é transversal a todo o ensino superior português. O grande problema é que de 60 alunos que ingressam num curso, o mais provável é termos cerca de dez que são verdadeiramente empenhados, aqueles que participam nas aulas, que fazem os trabalhos e que saem daqui com médias de 15 ou de 16 e que são bons profissionais em qualquer lado do País.
Perante esta situação temos cerca de 50 alunos aos quais se tem de fazer quase tudo e mesmo assim a motivação não aparece. Isto é um problema estrutura que tem de ser resolvido antes de chegar à universidade.
U@O - Existem novas regras na distribuição de vagas e em algumas provas de ingresso. Na oferta formativa desta faculdade, quais as principais mudanças que se podem vir a sentir?
P.G.C. - Essa é outra temática que tem de ser abordada de forma séria. É evidente que os responsáveis pelas universidades têm um grande problema em falar nisso. Imagine que aqui na faculdade se passava para metade dos alunos. Só em propinas deixaríamos de ter cerca de 900 mil euros e teríamos de arranjar uma estratégia alternativa para encontrar esse mesmo financiamento. Mas não é uma coisa que julgue que estrategicamente se deva colocar de lado. O futuro passa por afirmar a academia pela qualidade dos seus cursos entrando os melhores nessas formações. Podem não ser muitos, mas os que entrarem são tão bons que acabam por dar nome ao resto da universidade. Isso vai levar a que a universidade seja reconhecida pela qualidade dos seus alunos e pelas colocações destes no mercado de trabalho. Neste sentido, fizemos há algum tempo um rastreio por alguns dos nossos antigos alunos e tentámos descobrir onde estão e o que fazem profissionalmente e conseguimos sempre boas referências.
U@O - Quais são as principais indicações, nesses casos?
P.G.C. - Dizem-nos sempre que se trata de profissionais bem qualificadas, trabalhadoras, interessadas, motivadas e sem medo desafios. A título de exemplo um caso muito vulgar entre os nossos alunos que foi apresentado por um responsável de uma grande empresa numas jornadas aqui na UBI, este refere que se decidiu pela contratação de três estudantes da nossa academia, da área da sociologia, porque estes foram os únicos que durante a entrevista, realizada a uma sexta-feira, se mostraram disponíveis para começar a trabalhar na segunda-feira seguinte, em Lisboa. Isto demonstra bem a vontade que a pessoa tem de ganhar o emprego e de ficar lá.
Além de tudo isto, os nossos alunos, pela envolvência académica que a instituição proporciona conseguem também ter experiência associativa, dinamização de núcleos e todo um portfólio de competências que os nossos têm. Daí que o trabalho passe por continuar a agarrar esses melhores alunos e dar-lhes tudo para que possam continuar a ser os embaixadores do nosso ensino.
U@O - Uma das áreas que mais importância tem assumido no seio da academia é a da investigação. Que principais iniciativas destaca na sua faculdade?
P.G.C. - Quando tomei posse, em dezembro de 2009, sabia de todos os indicadores internos das várias faculdades e a nossa estava cotada como uma das que menos produzia cientificamente e focalizava a sua investigação para revistas com crédito internacional. É um facto que fazíamos muita coisa, muitos projetos para a comunidade, mas depois não materializávamos isso através do canais que dão a conhecer a ciência em termos internacionais. Uma das metas principais que assumimos foi a mudar isso.
Nessa altura alguns colegas disseram que era ambicioso demais quando disse que iriamos sextuplicar os nossos índices e devo dizer que ao fim de dois anos esse objetivo estava conseguido. Neste momento, o aumento é brutal, temos mais de 180 artigos científicos publicados em revistas internacionais, na altura tínhamos cerca de 20. Para além disso, focalizámos a nossa publicação e esta passou a constar de revistas internacionais de maior prestígio. Isso quer dizer que é um duplo objetivo conseguido. Os nossos melhores investigadores têm, não só, produzido muito; como também, estão a começar a orientar a sua investigação para revistas de maior impacto.
É um trabalho que está a ser feito em três fases. Temos um grupo de pessoas que já está a investigar e a publicar muito e em revistas cada vez melhores. Temos um grupo de pessoas que está a trabalhar bem e a publicar em revistas razoáveis e a conseguir que as teses de mestrado e doutoramento se transformem em artigos publicáveis e temos outras pessoas que começam a ver que não têm sobrevivência, em termos profissionais, se não forem por este caminho. Todos os anos fizemos o chamado “Fórum Científico”, e este ano contamos fazer também um “Fórum Pedagógico”, para começar a perceber a ligação entre a investigação e a parte pedagógica que pouca gente vê.
U@O - Passado algum tempo após as alterações introduzidas nos cursos pelo Processo de Bolonha, qual a sua opinião sobre este tema, e mais especificamente, sobre os cursos da sua faculdade?
P.G.C. - O grande problema da nossa faculdade é o facto de existirem turnos muito grandes, com 40 a 50 alunos, o que é impraticável para aprofundar Bolonha. Esse novo método exige que nós façamos muitas provas com os alunos e um acompanhamento muito próximo. Veja-se o caso de um turno com 20 alunos, aí será possível fazer mais provas, trabalhá-las, corrigi-las de forma diferente. Se tiver 40 alunos, quase não os consigo conhecer todos durante um semestre de 16 aulas. Portanto, este é um problema grave na nossa faculdade, com muitos alunos e poucos turnos, por condicionante orçamental.
Por outro lado, Bolonha exige algo que ainda não está totalmente aplicado, que é uma cultura diferente por parte dos alunos. Se tomarmos contacto com faculdades estrangeiras, nomeadamente nos Estados Unidos da América, no Reino Unidos, em França, os alunos vão às aulas porque gostam, é cultura e porque têm a percepção de que quem vai para a universidade é para aprender, é para ir às aulas, estar com os professores, questioná-los, ir às bibliotecas, aos laboratórios, etc.
Isso faz parte da sua vida académica e da cultura nacional, o facto de que quem vai para a universidade é para trabalhar muito. Nós não temos essa cultura, temos aqui alunos que simplesmente não passam pelas salas de aula. Uma das cadeiras que leciono tem 92 alunos, desses conheço 60, portanto, há 32 que não sei quem são, nunca apareceram nas aulas. Desses 60, 30 a 40 vão às aulas regularmente, os outros 20 vão lá de vez em quando, não os conseguindo conhecer do ponto de vista do aluno. Ora, como é que posso fazer Bolonha, mesmo que queira, mesmo que estivesse nas aulas o dia todo? Há aqui uma cultura que tem de se mudar e logo à entrada e não é algo que se consiga apenas com uma grande iniciativa, mas sim com uma grande persistência e estamos agora, através do conselho pedagógico a tentar descobrir que mecanismos é que podemos aqui utilizar para esse objetivo.
U@O - Os cortes em verbas que suportam o funcionamento das universidades são transversais. Salários, investigação, ação social, são apenas alguns exemplos desse decréscimo. Como tem isso afectado o normal funcionamento da faculdade?
P.G.C. - Afeta sobretudo ao nível da motivação. Veja-se o exemplo de uma família de professores, já nem estou a falar de funcionários; tiveram uma redução de rendimentos, este ano, na ordem dos 12 mil euros, a motivação, assim, não pode ser boa.
Todos estão empenhados em melhorar, apresentando mais aulas, fazendo mais investigação, trabalhando foram do horário, dito normal, e depois acabam por ter este obstáculo que em termos motivacionais é muito mau. Isto afeta qualquer trabalhador empenhado ao ponto de um docente quando termina o seu doutoramento não passa a ganhar mais por isso, mas fica a ganhar o que até aí ganhava, como assistente, por exemplo. neste momento há todo um conjunto de medidas que do ponto de vista motivacional estão a funcionar mal.
Já no que respeita à eficiência da administração isto foi muito bom. Havia coisas nas quais se gastava sem se pensar no futuro. Aí, os cortes, do ponto de vista orçamental, foram bem feitos. Estamos a viver com um orçamento de menos de 30 por cento que no ano passado. As coisas não correm da melhor forma, mas conseguem-se fazer e vamos chegar ao fim do ano a conseguir cumprir o papel essencial da faculdade.