O café da filha de Natércia Silva é um dos muitos estabelecimentos tradicionais da cidade-neve, a cidade da Beira Interior, a Covilhã. Uma das ruas principais de comércio não “fala”, pois a maioria dos comerciantes preferem não comentar um assunto que, nos dias de hoje, é sensível para muitos portugueses, ainda mais para aqueles que vivem do próprio negócio.
Encontrando alguém que não se importe muito de falar, é mais fácil de perceber o que se passa na Rua Direita durante a semana. Elsa Morais, proprietária de um dos estabelecimentos da rua, fala nas diferenças que encontrou desde que assumiu o negócio. “As vendas desceram, claro”, esclarece a comerciante que aposta em promoções e saldos. “Quando as pessoas não têm dinheiro para comprar, fora da época de saldos, também não têm dinheiro para comprar nos saldos”, reclamando o fracasso dos saldos que nem assim lhe garantem o negócio.
Como trabalhadora independente, há cerca de quatro anos, Elsa Morais tomou posse do negócio do qual era apenas funcionária. “Fiquei com a loja para garantir o emprego, mas desde há dois anos para cá que as vendas caíram e já pensei em fechar”, garante a lojista que diz não poder ficar sem emprego porque não está habilitada, como trabalhadora independente, a receber o subsídio de desemprego e como tal vai “aguentando o negócio”.
Pelas ruas da Covilhã, não passeiam só naturais da terra, mas também os milhares de jovens que frequentam a Universidade da Beira Interior. A pequena universidade educa cerca de 6000 alunos de vários pontos do país, que trazem mais rendimentos para a cidade. Num dos cafés da Rua da Saudade estão Sérgio e Edgar, que frequentam o 3º e 2º ano, respectivamente, e têm perspectivas diferentes sobre o modo de vida que fazem na cidade.
Edgar Félix, de 20 anos, diz já ter entrado na universidade com a “dupla crise”. “Quando entrei, para além de entrar com a crise no país, entrei com a crise do estudante, onde houve aumento de transportes, por exemplo”. O estudante da UBI diz ser controlado nos gastos, tendo a mesma preocupação nos dois anos, procurando assim não gastar dinheiro em coisas supérfluas. “Tudo o que é noitada a mais, todo o que é copos a mais, tudo o que é supérfluo, deixou de existir, com grande pena minha”, confessa o aluno que espera que o próximo ano seja melhor, apesar de achar que o “controlo” financeiro permanecerá.
Para Sérgio Gonçalves, de 22 anos, a conversa muda de figura. “Neste momento estou a pensar em congelar a matrícula, por motivos económicos, porque durantes estes três anos não correu assim tão bem”, caracteriza assim o estudante, a sua estadia na cidade. Com falta de condições por parte da família para o ajudar a pagar os estudos, Sérgio vê-se a contas com um empréstimo bancário. “Como os preços aumentaram a todos os níveis, sinto que tenho de parar um ano para trabalhar, para pagar o resto dos estudos”, considera Sérgio, que também espera continuar a trabalhar e a estudar no ano seguinte.
Com uma equipa recente, a Associação Académica da Universidade da Beira Interior trouxe novas ideias para conseguir ajudar os alunos mais carenciados. Pedro Bernardo, presidente da associação, fala orgulhosamente do projecto social que o seu grupo criou. “A Associação Académica criou o projecto que se chama Bolsas de Mérito da AAUBI”, esclarece o presidente acrescentando que este tem um fundamento, um princípio bem antigo: “Não demos o peixe, ensinemos a pescar”, aproveitando as suas actividades, como a Recepção ao Caloiro, ou a Semana Académica, para contarem com a colaboração dos bolseiros e no fim, os mesmos receberem uma recompensa, isto é, é-lhes atribuído uma remuneração, uma bolsa pelo trabalho realizado.
“Para além do estudante ter um apoio social directo, porque há atribuição de verbas, também permite que desenvolvam outras competências, com aspectos mais sociais, fugindo um pouco à área de estudo deles” argumenta o presidente da AAUBI, realçando a importância do seu projecto.
Ainda na rua de Elsa Morais e da sua loja, a rua Comendador Campos Melo, está uma das sapatarias mais antigas da cidade, com cerca de 50 anos, e que sobrevive com três lojas abertas. A loja mais recente tem conseguido “safar-se”, apesar da crise. “Há uns meses que as vendas correm bem, outros que correm mal, vai dando para as despesas, que é o principal”, explica a proprietária. Viver-se do dia-a-dia é um lema seguido por… que também depende do negócio para sobreviver, tal como a sua “vizinha de loja”. “Não sabemos como será o próximo ano, por isso já se começou a comprar menos aos fabricantes” explica … que ainda mantém umas das suas funcionárias e não tenciona “abandoná-la”.
Com uma história na indústria dos lanifícios, a cidade transformou-se a partir de 1986 com a fundação da universidade, um dos pontos principal de rendimentos da cidade serrana. Off the record, os comerciantes falam mais ainda, como se tivessem medo do que possa ficar gravado. A cidade transformou-se assim que chegaram os estudantes. Com a inauguração de um espaço comercial como o Serra Shopping, a população começou a procurar as lojas de franchising que se encontram espalhadas por todo o país, e de quem os estudantes gostam e estão habituados a escolher nas suas terras de origem.
Num mundo cada vez mais ligado a este tipo de lojas, o comércio tradicional perde pontos contra lojas que vendem a preços reduzidos e que usam o marketing para sobreviver. E numa cidade como a Covilhã, onde os jovens são os maiores consumidores, é natural, compreendem os comerciantes covilhanenses, que prefiram estabelecimentos onde podem comprar tudo. Mesmo que entendam as necessidades dos estudantes, por exemplo, os comerciantes continuam a pedir que os transeuntes comprem nas lojas da cidade, para que não tenham de fazer tantas contas à vida.