Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Entrevista a Nuno Camarneiro
· quarta, 22 de agosto de 2012 · Um nome ainda desconhecido, promete trazer mais à Literatura Portuguesa. Falo de Nuno Camarneiro, escritor de micronarrativas que um dia se aventurou e escreveu um romance inteiro. Dono de um blog e com textos publicados em revistas, Nuno Camarneiro, físico de formação, professor e investigador, publicou em 2011 o seu primeiro romance, intitulado No Meu Peito não Cabem Pássaros, relatando à sua maneira a história de três dos seus escritores favoritos. |
O escritor Nuno Camarneiro |
22000 visitas O primeiro romance - No seu peito cabem pássaros ou também está a arder de febre? Nuno Camarneiro – (Risos) Uma pergunta muito difícil, logo a abrir. Às vezes cabem, outras vezes não. Depende das alturas. Certamente não estou no momento de febre como estava o Fernando nessa passagem, mas como toda a gente, tenho os meus momentos em que não me cabem pássaros no peito. - “Portugal é assim, diminutivo e manso” e “os portugueses não querem nada que não possam meter no bolso. Como é que esta gente descobriu tanto mundo?”. É o Nuno Camarneiro que pensa isto ou é Fernando [referência a Fernando Pessoa], a personagem? N.C. – Eu acho que isso é o que pensamos nós todos, temos um bocado essa ideia de que Portugal é uma versão mansa de Espanha ou de outros países. Vemos agora em relação à Grécia, já que estamos mais ou menos na mesma situação, a diferença que há na resposta dos gregos e na nossa, e isto não é fazer um juízo de valor, é simplesmente notar que temos um caracter, não sei se tem a ver com o mar, se o de estarmos aqui neste cantinho da Europa que faz com que tenhamos alguns traços de carácter particulares. Claro que é sempre perigoso generalizar, mas acho que existem coisas nossas que de facto são diferentes, e essa é uma delas. É um bocado aquela coisa de muitas vezes ficarem as coisas “em águas de bacalhau”. Falamos muito, ficamos muito chateados com as coisas, mas depois quando chega, amaina-mos e acabamos a tomar um fino uns com os outros e aquilo passa e ficamos amigos. É uma coisa muito portuguesa, acho eu. -“Como pode alguém domar a poesia? Um poeta é apenas um lugar por onde o poema passa. Se um escritor inventa mundos é porque há mundos que querem ser inventados.”. É o Fernando (personagem) que pensa isto ou é o escritor? N.C. – Isso é meio caminho (risos). Eu acho de facto que quando se está a escrever poesia, pelo menos certo tipo de poesia, e se calhar muita poesia de que eu gosto, há obviamente qualquer coisa de intenção, de um sentimento, de uma ideia que se quer passar, mas também há muito quase de arbitrário, de aleatório, às vezes é muita mão que escreve, mais do que a cabeça e que vai para certas frases e não sabemos porquê. E isso é um bocado do poema querer ser escrito, de o poema utilizar o poeta para escrever-se. É um mistério, é qualquer coisa de mediúnico, o que lá fica não é o que queremos, mas também não é o contrário disso, quer dizer, há ali um encontro arbitrário de coisas que nos ficaram na cabeça, que ouvimos ou que pensamos e aquilo que era nossa intenção quando inauguramos o poema. É um pouco isso o que a frase quer explicar. - Onde se inspirou para escrever este primeiro romance? N.C. – Inspirei-me sobretudo nas leituras, não é por acaso que são três escritores de quem eu gosto muito e que foram seminais nesse gosto pela escrita e tive essa vontade de usá-los como personagens e de ver o que podia fazer com eles, foi essa a ideia, e de ver o quanto eles poderiam ter em comum ou não. Foi um jogo, uma espécie de desafio. O trabalho como escritor - Já está a preparar um novo livro? N.C. – Sim, aliás, está já na fase final. Em princípio será lançado no final deste ano, ou no início do próximo. - De que se trata? Pode desvendar um pouco? N.C. – Não posso desvendar muito, mas é diferente, passado nos nossos dias e é todo ele passado dentro de um prédio, com as várias pessoas que vivem no prédio. As relações entre elas e o que lhes acontece numa semana. - Quando nasceu a paixão pela escrita? N.C. – Desde miúdo que gostava muito de ler e sempre li muito e coisas de todo o tipo, desde livros de banda-desenhada, dos “Cinco”, dessas coisas todas, até depois livros mais complexos, clássicos, e isso acompanhou-me sempre, mesmo quando estudava Física, continuava a ler coisas que não tinham nada a ver com Física. E quando saí de Portugal, quando estava a viver na Suíça, senti muita essa necessidade, por viver sozinho, talvez, por se calhar querer agarrar-me à língua, comecei a escrever e fui sempre escrevendo mais, sempre com estruturas mais complexas, até acabar num romance. - Que autores o influenciaram? N.C. – se calhar todos os que li. Há autores europeus que me influenciaram pela questão de temática e aí o Kafka é um exemplo, o Borges ou outros modernistas, como por exemplo, o Thomas Mann, ou o Joyce, também, embora menos, o Musil d’O Homem Sem Qualidades. Todo o movimento do modernismo, acho que me identifico bastante com essa forma de olhar para a realidade e de conhecer o absurdo e de imaginar o absurdo, que depois derivou num existencialismo. Do ponto de vista linguístico tenho relação mais com autores portugueses, em particular o Pessoa. O Aquilino Ribeiro é um autor de quem eu gosto muito e que li bastante, e depois autores mais dos anos 60, anos 70, como o Jorge de Sena, ou Carlos de Oliveira, que acho que trabalharam muito a língua e que fizeram um trabalho com o qual eu me identifico de alguma maneira. E depois claro, o Saramago, um autor que foi muito importante para mim, e já mais tarde, também o Lobo Antunes. -Sentiu alguma dificuldade para começar a escrever o livro? N.C. – Há diversas dificuldades, sobretudo porque há um tempo diferente e uma estrutura diferente [em relação ao blog] e o tempo de um romance não é o mesmo de um conto, não é o mesmo de um poema. E a adequação a esse tempo, perceber que ritmo a prosa deveria ter, demorei algum tempo até acertar, fui experimentando até encontrar um ritmo que me servia e a estrutura que me servia, e acho que essa é a primeira dificuldade para alguém que se decide a escrever um romance, quando só tinha escrito outras coisas como eu, coisas mais curtas, mais breves. Depois há sempre dificuldades em tudo o que se escreve: encontrar as palavras, encontrar a forma exacta de expressar uma ideia, de dar vida a uma personagem, de vesti-la de características, isso tudo tem dificuldades. Nada disto é fácil, mas também não tenho uma visão trágica, de que é terrível. É uma arte como outras, em que é preciso muita oficina e é preciso ir trabalhando até ganhar a mão, até se chegar a algo que para nós e para quem lê, seja satisfatório. -O blog é um exercício da língua? N.C. – Sim, é uma forma descomprometida de experimentar aquilo que me apetece. Poder experimentar novos formatos, tanto na poesia, como na prosa, sabendo que vou ter leitores, mas não tendo aquele peso de quem publica um livro.
O homem por detrás dos livros - Para além da escrita, tem outras paixões? N.C. – Gosto de música e cinema, mas essencialmente gosto muito de música. - Que tipo de música ouve? N.C. – Gosto de algum pop, tenho algumas bandas que vêm assim de quando era adolescente, outras que fui descobrindo. Gosto de música clássica, gosto muito de world music. Sou muito ecléctico na música. - Se pudesse, vivia da escrita? N.C. – Para já não. Gosto de ter mais do que uma ocupação, saltar de uma para outra, faz-me bem, obriga-me a ter uma certa ginástica mental e a lidar com diversas realidades, e com diversas pessoas. Não ponho a hipótese de um dia, eventualmente, me dedicar só à escrita. Veremos. Não tenho isso programado, deixo que aconteça. -Finalmente, que mensagem pode deixar aos nossos jovens? N.C.- Não tenho a pretensão de dar conselhos (risos). Cada um tem de procurar o seu caminho, de procura-lo muito e não desistir nunca. Pode implicar ficar cá ou emigrar, mas que não sintam, ou que não sintamos todos, que somos só vítimas das circunstâncias, por mais difíceis que sejam, cabe-nos ainda uma grande parte de autodeterminação e de procurarmos aquilo que precisamos. E se abdicarmos disso, estamos a morrer antes do tempo e isso é que não podemos deixar acontecer. As coisas estão muito difíceis, fizeram-nos as coisas muito difíceis, talvez também nós tenhamos feito as coisas muito difíceis um bocado para nós, mas não podemos aceitar essa dificuldade como algo inevitável e temos de continuar a lutar contra ela. Contra ela, contra os outros, e ir atrás daquilo em que acreditamos e que queremos para nós. E claro, estamos numa altura em que é mais difícil e por isso tem mais valor fazê-lo. |
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