“De um tempo ausente - stress pós-traumático de guerra” foi o tema da conferência e debate organizados pelo Núcleo da Covilhã da Liga dos Combates, no passado dia 23 de maio, no auditório da biblioteca municipal da cidade.
A conferência teve como objetivo principal a sensibilização e divulgação dos fenómenos que a guerra trouxe para todos os que lá estiveram, e incentivar à partilha de experiências entre ex-militares, uma vez que os combatentes tendem a guardar os horrores da guerra para si e não partilham as emoções com colegas, amigos e familiares, identificada esta partilha como o primeiro passo para a superação dos traumas.
A sessão contou com a presença de uma assistente social, Marina Orrico Tavares, que estudou e trabalhou com indivíduos que sofrem de stress de guerra na Associação Apoiar, em Lisboa, entre 1998 e 2000.
No estudo feito por Marina Tavares em 1998 sobre os militares que estiveram presentes na guerra colonial, foram referidas como experiências marcantes e traumáticas “a hostilidade do meio ambiente, a morte de camaradas e a inversão dos valores que eram incutidos na metrópole e que nas colónias eram em tudo diferentes.”
Ainda segundo esse estudo a adaptação ao trabalho destes indivíduos ficou marcada por “períodos de baixa de longa duração, incapacidade para um trabalho sequenciado e problemas laborais que muitas vezes levam a processos de despedimento.”
No que respeita à adaptação familiar os ex-combatentes da Guerra Colonial referem que “há um desgaste da relação conjugal, deficiente relacionamento com os filhos e falta de harmonia do ambiente familiar.”
Carlos Prazeres, um combatente no Ultramar, ficou com sequelas da guerra para o resto da vida. Em Angola, Carlos passou por situações traumatizantes e o seu sistema psicológico não aguentou. Quando chegou a Portugal foi-lhe diagnosticado entre outras doenças esquizofrenia. Queixa-se da falta de apoios. “Tenho consultas de psiquiatria de três em três meses, tomo muitos medicamentos e recebo uma reforma de 369 euros mensais, mas disso ninguém quer saber, porque o nosso Estado esqueceu-se de quem um dia combateu por ele”
Segundo João Azevedo, presidente do núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes “o stress de guerra começou antes mesmo do embarque para as colónias e muitos dos problemas destes homens estão aqui enquadrados. O stress de guerra durante muitos anos não foi reconhecido e ainda hoje há uma falta de identificação por parte dos médicos e do Estado. Um traumatizado de guerra não precisa só de medicamentos e de estar internado nos hospitais”.
Apesar das alterações à legislação em 2000 e da atribuição de alguns direitos daí advindos, tais como as reformas e o reconhecimento público, os ex-combatentes não se encontram satisfeitos e “queixam-se da falta de apoio social e psicológico, não só a eles próprios como aos seus familiares.”