Urbi@Orbi – Tem pensado a Beira Interior em toda a sua obra. Como vê o crescimento deste território?
Eduardo Lourenço - Como uma das coisas mais fantásticas das últimas décadas. Depois do 25 de abril, muitas coisas boas aconteceram aqui e em Portugal. Um sucesso que se foi construindo com a proliferação das universidades e outras instituições. Mas depois houve liberdade e capacidade de propor e sugerir mudanças, para além de uma maior autonomia local. O resultado foi formidável.
Veja-se o caso das universidades, da própria Universidade da Beira Interior e de quantas pessoas se conseguiram formar. Veja-se a capacidade desta jovem universidade que tem hoje tantos ou mais alunos que a secular Universidade de Coimbra tinha nos anos 40, quando lá andei.
U@O - Foram estruturas que fizeram a diferença?
E. L. - Com a criação desta e de outras universidades similares foi dado um sinal de esperança de que podemos sair do fundo do poço. Se não houvesse aqui universidade isto aqui era um enorme deserto. Estas instituições representam hoje o que eram os investimentos do Estado há várias décadas com a instalação de quartéis nas várias cidades e regiões. O facto de estarem presentes esses quartéis e todas as pessoas que o integravam era sinal de trabalho para as populações locais. Isso era arcaico e hoje não tem qualquer tipo de viabilidade, mas tal presença foi, de algum modo, substituída pelas academias.
U@O - Uma das soluções para a crise passa por aí?
E. L. - Também, mas não só. As universidades e os politécnicos são das poucas instituições capazes de nos darem um futuro mais certo, mais iluminado, mais alegre e responsável. É desse futuro que todos nós precisamos.
U@O - A palavra crise está instalada em vários domínios da sociedade, desde a cultura à economia, passando pela política e relações internacionais. Como tem visto todo este cenário?
E. L. - O problema é que estamos a atravessar uma nova crise na Europa. Mas isto não é de agora, veja-se que a II Guerra Mundial foi fatal para a Europa. Desde esse tempo que se tem tentado inventar uma nova Europa para verificar se os seus cidadãos conseguem fazer deste espaço comum um dos polos de dinamização do mundo. A Europa que já foi o polo hegemónico do mundo durante mais de cinco séculos. Mas o sentimento de autonomia, de rivalidades internas que marca a Europa continua a prevalecer e torna-se difícil para as nações, mesmo com centros criadores fazer concorrência a países como a China, o Japão, os Estados Unidos da América. O nosso nível de vida é superior, a mão de obra é mais cara, os Estados Unidos são nossos rivais, numa espécie de Europa mais nova.
U@O - E o nosso País, que transformações tem sofrido com tudo isto?
E. L. - Portugal entrou para a Europa com a ideia de que um conjunto de problemas se resolvia magicamente. Alguns tiveram solução, como estas estradas que hoje percorrem todo o nosso território. Se não fosse a Europa não existiam, os outros problemas subsistiram e agora que todo este território está em crise, acabámos por cair das nuvens. Este é um processo contínuo entre nós e nas épocas mais difíceis não aguentamos a pedalada e acabamos por fraquejar. Mas penso que a Europa vai ser, tem de sair desta poça onde está.
U@O - A Europa corre perigo na sua desintegração?
E. L. - Pode com toda a certeza. Veja-se o caso das eleições francesas em que uma parte das elites não é muito europeísta, já o próprio general De Gaulle não o era, mas esse vinha ainda do tempo dos nacionalismos. Tudo isto acentua rivalidades, como é o caso de um país logo ali ao lado que está melhor do que a França, país esse que já os bateu no passado, enfim, um conjunto de situações menos boas. Vamos ver como se vai desenrolar o socialismo no poder, socialismo que está em minoria. A Europa tem uma espécie de direita americanizada no poder, que é o que está a vingar aqui em Portugal, de uma maneira mais suave. A gente não se dá conta de que os americano são imperialistas porque aquilo sempre foi um país grande e nós já estamos habituados, porque gostamos da cultura americana, do cinema americano, dos estilos americanos.
A cultura americana é um conceito novo, até porque, cultura era Europa. Para os americanos de há umas décadas, como Henry James e Hemingway, vinham para a Europa, Paris, Madrid, Londres, Roma, vinham ver e aprender o que aqui se passava. Agora é completamente ao contrário, com os europeus a irem à América para adquirir uma certa imagem de marca. Ora, como eles têm dinheiro podem pagar as melhores cabeças pensantes, primeiro a nível científico e agora é por tudo. Daí que os pensadores e cientistas americanos sejam discípulos de europeus que foram para lá. A nossa posição inverteu-se, em vez de sermos pais da América do Norte e do Sul, somos uma espécie de irmãos, no melhor dos casos jogamos no mesmo campeonato, na pior das situações somos uns protegidos, uma espécie de “protetorado real” e isso é novo na história europeia e na própria história americana.