A figura do Padre José de Almeida Geraldes deve provavelmente ser incluída no espaço aberto na Igreja Católica pelo Concílio Vaticano II. No estilo, na forma e nas inquietações, tomou muito do espírito do seu tempo. Por isso personificou a abertura ao diálogo e a sensibilidade ao mundo moderno.
Ordenado sacerdote em 1963, a minha memória localiza-o com clara nitidez em 1974, quando as suas Aulas de Moral e Religião se distinguiram no Liceu Frei Heitor Pinto no meio da complexidade revolucionária da época. Orador expedito e conversador nato, o Padre José Geraldes atraía alunos às aulas, alguns desejosos de o testarem com perguntas que eram tidas como difíceis ou delicadas para a imagem tradicional que então se fazia dos sacerdotes. Assim, não se escusava às questões aparentemente mais complexas nem iconoclastas, fazendo frente às farpas dos alunos mais irreverentes numa época em que a irreverência era um modo natural de ser. Anos mais tarde, há pouco tempo, lembrei-me desta imagem quando, numa viagem a um Congresso sobre Jornalismo em Braga, discutimos com serenidade modos diferentes de ver a vida, a politica e até a Religião. Este era um traço peculiar do seu modo de estar: uma atenção dialogante que o tornava uma companhia estimulante e agradável.
Reencontrei-o anos mais tarde, já depois da passagem por Paris, onde trabalhou na emigração portuguesa e no Jornalismo. Durante esse espaço de 8 anos, em que estudou na Sorbonne Jornalismo e Ciências Politicas, aprofundara o seu vínculo á Comunicação Social, uma traço que já vinha da sua presença anterior no Notícias da Covilhã. O meu segundo encontro foi feito numa condição dupla: a de Director do Notícias da Covilhã, e, por conseguinte, sob o ponto de vista profissional, meu superior hierárquico (eu era então jornalista do NC) e a de meu professor na então emergente licenciatura em Comunicação Social na Universidade da Beira Interior. Era , pois, seu colaborador e seu aluno.
O tempo e os percursos universitários de ambos juntaram-nos no mesmo gabinete, que hoje ocupo, agora com os dois na condição de colegas, ambos docentes da Universidade da Beira Interior. Durante anos, partilhamos opiniões sobre a Universidade, o ensino do Jornalismo e muitos outros temas. Curiosamente, substitui-o na Disciplina que ele leccionava – Teoria da Notícia- e na qual fiz Provas de Agregação poucos dias antes de ele falecer. Muitos foram os alunos que me contactaram para manifestarem a sua tristeza pelo seu falecimento.
Sob o ponto de vista religioso e da hierarquia das elites de uma cidade como a Covilhã, o Padre José Geraldes era, indiscutivelmente, uma figura importante: Director do “Notícias da Covilhã”, docente universitário, Cónego e Arcipreste entre outras funções. Porém, preferia realçar alguns traços do modo como exerceu a sua presença entre nós que evidenciam a imagem do homem: professor de várias gerações que marcou pelos seus traços de pedagogo dialogante, frequentador de mil tertúlias, excelente conversador e Colega atento. Esta é a imagem que irei preservar.
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