Fazendo jus ao legado artístico de Ruskin, o génio oitocentista que iluminou as pedras de Veneza com o coração, na voz de Tolstoi, as aguarelas de Krzysztof Ludwin surgem como uma construção alicerçada no branco do papel. Nele se hierarquiza a matéria gráfica e se conformam os múltiplos estratos dos lugares. As paisagens urbanas que apresentou na conferência da UBI, predominantemente polacas, francesas e italianas, denunciam esse trabalho do olhar mediado pela “alma”, palavra recorrente no discurso de Ludwin, que apela inevitavelmente ao latino genius loci, o génio do lugar.
Encontramos em Ludwin um certo equilíbrio entre a impressão e a disciplina, entre a emoção e a forma, entre a expressão e a técnica ou simplesmente a tensão característica do par dicotómico transgressão/tradição, conducente a esse zénite em que o comprazimento estético transcende as categorias. Mais que a atmosfera pitoresca, as suas aguarelas apresentam uma sábia oposição entre os elementos orgânicos e construídos, entre o natural e o artificial. Nelas, a arquitectura surge ainda como esse “jogo sábio e magnífico dos volumes sob a luz”, situada sem complexos no âmbito artístico.
Essa luz que a aguarela estratifica por camadas translúcidas sugere um espaço que vai muito além dos estilos, das tipologias e das definições, pois valoriza a dimensão háptica, mais ou menos perdida na pintura e na arquitectura contemporâneas. Não obstante o distanciamento progressivo do abstraccionismo conceptual, a pintura de Ludwin revela e projecta com obstinado rigor iconográfico e ambiental, mesmo quando reconstitui ou ajusta no atelier os esboços captados in situ; processo que normalmente comporta uma alteração de escala, de densidade e até de composição.
Não é frequente encontrar nos desenhos de arquitectos portugueses o sentido plástico próprio desta imaginação lírica, talvez por se privilegiar a estereotomia, na peugada da tratadística, que demonstra mais apreço pela definição, circunscrição, separação e encontro dos materiais. Factor que conduziu a valorizar o aspecto linear em detrimento do pictórico, no léxico de Wöllflin, subvalorizando a cor.
Na resenha final dos estados prévios de algumas obras apresentadas, o autor conferiu à exposição um interesse pedagógico adicional desvelando, mais que a técnica, o seu “modus operandi”. Na metamorfose apreende-se o tempo, o sentido e o ritmo de uma prática que exercita a capacidade de ver a plasticidade dos contrastes, dos reflexos e das atmosferas, quase sempre logradas pela mancha, a partir da qual desenvolve a paisagem, à semelhança do método dos blottings que Cozens transmuta em forma. Assim, mais que “modelar”, a sua obra “modula” a paisagem, da qual pode partir tudo.
Reconhece-se na viagem de Ludwin uum certo propósito romântico, ao servir simultaneamente como fuga e reencontro. Encontro com o pictórico da arquitectura, mas também consigo mesmo. Assim, o clima, as estações, as horas do dia, a posição e o enquadramento se tornam plausíveis no seu trabalho, onde a contemplação não prescinde do projecto, onde o reflexo contraria o hábito e onde a tradição se reinventa. Não falamos apenas da tradição artística, já que a patente predilecção do autor pelas zonas antigas das cidades apela à conservação desse lustro da cultura, na medida em que os territórios vivem muito da sua iconografia.
Krzysztof Ludwin, Professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Tecnologia de Cracóvia proferiu a conferência "Sketching the City in Watercolor" na UBI, no dia 22, integrada no ciclo "Drawing Architecture", organizado pelo Prof. Jacek Krenz.
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