Este ano passa o quarto centenário do nascimento do pe António Vieira que ocorreu no bairro da Sé, em Lisboa, a 6 de Fevereiro de 1608. Múltiplas iniciativas foram já realizadas a assinalar o acontecimento e outras estão programadas até ao fim do ano.
A obra e a acção do Pe. António Vieira marcam a história de Portugal e do Brasil. Homem de coragem invulgar, não temeu enfrentar os poderes do seu tempo. Os seus sermões que se prendem com conjunturas históricas, são de recorte literário único o que levou Fernando Pessoa a chamar-lhe “imperador da língua portuguesa.”
Personalidade multifacetada notabilizou-se como missionário, orador, escritor, patriota, político, diplomata, perseguido da Inquisição, defensor acérrimo dos índios e dos negros. Foi visionário e profeta messiânico a sonhar com o V Império.
O pe António Vieira que era jesuíta, escreveu mais de 200 sermões todos com amplas citações da Bíblia. Pelos sermões, vemos a sua notável formação humanística e o domínio completo do latim e dos autores clássicos e o manejo à perfeição da arte de convencer e persuadir. Era um verdadeiro mestre da retórica.
O sermão aos peixes mostra a argúcia da leitura do seu tempo. E as observações que faz, mantêm um carácter intemporal.
Se visse a corrupção que grassa por aí e o fosso da desigualdade entre ricos e pobres que se cava cada vez mais, nem uma vírgula certamente tiraria aos seus escritos.
Dêmos a palavra ao pe António Vieira : “ A maldade é comerem-se os homens uns aos outros e os que a cometem, são os maiores que comem os pequenos. Diz Deus que comem os homens não só o seu povo, senão declaradamente a sua plebe ; porque a plebe e os plebeus que são os mais pequenos, os que menos podem e os que menos avultam na república, estes são os comidos. E não só diz que os comem de qualquer modo, senão que os engolem e devoram.”
Ao vermos os autores da crise financeira mundial ainda indemnizados com quantia chorudas, a palavra do grande orador é certeira na actualidade. E também na área da Justiça. Quem tem bons advogados, sai sempre ilibado. Os pobres são quem mais sofrem. Basta lembrar recentes julgamentos para se concluir que grandes criminosos conseguem sempre penas simbólicas.
De novo o pe António Vieira : “ Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o meirinho, come-o o carcereiro, come-o o escrivão, come-o o solicitador, come-o o advogado, come-o a testemunha, come-o julgador, e ainda não está sentenciado e já está comido.”
A ganância com que muitos levam a vida, é bem descrita pelo missionário: “Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar? vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas, vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego ? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e se hão-de comer.”
A inveja, mal nacional e a pátria ingrata não escaparam ao olhar de lince do Pe. António Vieira no Sermão de Santo António de 1682 : “Oh Pátria tão naturalmente amada como naturalmente incrédula! Que filhos tão grandes e tão ilustres terias, se assim como nascem de ti, não nascera juntamente de ti, e com eles a inveja, que os afoga no mesmo nascimento, e os não deixa luzir, nem crescer.” E no Sermão de 1670 desabafa: “Sem
sair de Portugal ninguém pode ser grande. E numa confissão final: “Para nascer, Portugal, para morrer, o mundo.”
Muito temos a aprender com a leitura, nestes tempos conturbados, do Pe. António Vieira, o génio que nasceu em Portugal e se tornou universal na mensagem e na personalidade que nunca baixou os braços na luta pelas suas convicções. Eis um homem exemplo para o mundo.
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