O filme “O livro de cabeceira” tem como cenário o Japão dos anos 70, dirigido e escrito pelo cineasta inglês Peter Greenaway, o mesmo que produziu “O cozinheiro, o ladrão, sua esposa e seu amante” (1989).
Numa breve sinopse, Nagiko, a protagonista da película, cultiva a paixão pela escrita no seu corpo. Antes de conhecer o tradutor inglês Jerome, o seu calígrafo ideal e amante, que mudará a sua vida, tivera outros amantes – calígrafos que já haviam desenhado o seu corpo como a página de um livro. Após conquistá-lo, abandona o desejo de ser pele escrita e descobre o prazer de ser escritora. Um poema em francês escrito no corpo de Jerome interage com a música chinesa de um disco que pertenceu a sua mãe, entrelaçando o ocidente com o oriente. O tempo presente destaca um ritual de infância: nos aniversários de Nagiko, o pai costumava escrever uma oração, na sua face e nuca, e a tia fazia a leitura em voz alta do “Livro de cabeceira de Sei Shonagon”, uma cortesã do século X.
O corpo-papel é matéria-prima na experimentação artístico-literária de Nagiko. O fascínio pela escrita sobre a pele produz um total de 13 livros que variam de acordo com o papel-pele e o tema-pessoa envolvidos em suas criações. O “livro de cabeceira de Sei Shonagon” aponta apenas duas coisas como dignas de confiança: “o prazer da carne” e “o prazer da literatura”. A união dos dois prazeres significa alcançar o êxtase, a plenitude. Nagiko conquista o prazer da carne e da literatura. O seu amor por Jerome permite realizar o que preconiza o “livro de Sei Shonagon”: a fusão entre pele e escrita constitui a principal fonte de inspiração. Sobre a pele de Jerome os versos que escreve são carícias: «Un homme change. Étrange. Parfait mélange. Un ange bombe. Un ange blonde. Sex d’un ange», ouvindo ao fundo a música chinesa preferida de sua mãe.
A sexualidade está também presente. O toque, a audição, o paladar, o cheiro e a visão, tudo vai despertar o erotismo. Tudo é natural. A mera nudez do corpo é natural, tal como o que vai na alma do escritor. A pele é apenas objecto de escrita. A voz dos sentidos. O artefacto necessário na redefinição do território do sensível, bem como do sentir e que vai recolher e acolher o que está nas maiores profundezas do interior do próprio escritor.
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