"A UBI é a prova de um trabalho lento e consolidado"
O percurso profissional de José Correia Pinheiro confunde-se com a criação da UBI. O administrador da instituição aposentou-se há pouco mais de duas semanas. Passados 33 anos de trabalho, o Urbi mostra agora como foi a “epopeia” de criar uma universidade no interior do País.
> Eduardo AlvesUrbi@Orbi – Foi um dos primeiros rostos desta aventura que foi a instalação do Ensino Superior na região. Como é que em 1974 se via a criação de uma universidade aqui na Covilhã?
José Correia Pinheiro – [Ver resposta] – Tudo começou com o ensino superior politécnico, na sequência do decreto-lei 402/73, da responsabilidade do antigo ministro da Educação, professor Veiga Simão, foram criadas várias universidades, um instituto universitário em Évora e vários instituto politécnicos. Mas só dois destes é que, de facto, iniciaram a sua actividade lectiva. Foi o Instituto Politécnico de Trás-os-Montes e Alto Douro e o Instituto Politécnico da Covilhã.
A Comissão Politécnica instaladora, no caso da Covilhã, foi já nomeada depois da Revolução, nos tempos em que o professor Vitorino Magalhães Godinho era o ministro da Educação da altura. Uma época em que, de facto, não se pensava no ensino universitário. Foi então implementado o ensino politécnico que para a altura resolvia as necessidades da região. Esse ensino estava alicerçado em dois cursos que era o Bacharelato em Engenharia Têxtil (BET) e o Bacharelato em Administração e Contabilidade (BAC). Ou seja, pretendíamos, desta forma, assegurar as necessidades de técnicos qualificados em Engenharia Têxtil e em Administração e Contabilidade.
Como é evidente, esta aventura foi acolhida muitíssimo bem por toda a comunidade envolvente e ninguém terá deixado de abraçar este projecto.
U@O – Nessa altura, como surgiu a sua ligação ao politécnico?
José Correia Pinheiro – [Ver resposta] – Candidatei-me a um lugar de secretário do Instituto Politécnico da Covilhã. Um concurso em que fui seleccionado, mas onde o processo burocrático se arrastou durante alguns meses. No entanto, era funcionário do Ministério do Trabalho, na Covilhã, onde obtive algumas facilidades para colaborar com a UBI. De tal modo que a partir de 2 de Novembro de 1974, ou seja; pouco menos de um mês após a tomada de posse da Comissão Instaladora, acto que decorreu em 10 de Outubro de 1974; passei a colaborar regularmente com o Instituto Politécnico da Covilhã.
Esta era uma colaboração sem qualquer provento material, apenas numa perspectiva de me celebrarem um contrato de trabalho, o que só veio a acontecer a 1 de Abril de 1975.
U@O – De Instituto Politécnico, a Instituto Universitário e finalmente a Universidade, o percurso da UBI, está marcado por provas difíceis que se foram vencendo. Um trabalho árduo que, na perspectiva de quem o administrou, fica ou não consolidado?
José Correia Pinheiro – [Ver resposta] – Fomos lentamente consolidando quer o Instituto Politécnico, quer em 1978, o Instituto Universitário. Nessa altura o governo entendeu instalar o Ensino Superior Curto, mas o grosso das pessoas que estavam aqui apontavam já para um caminho que seria o do Ensino Superior Universitário. Isso veio a ser obtido em 1979, na sequência de uma lei que a Assembleia da República aprovou.
O nosso percurso foi-se consolidando paulatinamente sem apoio políticos, mas com a vontade das pessoas que cá estavam. Nós fomos a única instituição de Ensino Superior que no Pós 25 de Abril não recebemos, nem um funcionário, nem um professor universitário das universidades de Moçambique e Angola. Como é sabido, o processo tumultuoso da descolonização provocou a saída de muitos portugueses, que regressaram ao País de origem. Os professores que estavam nessas universidades vieram, de corto modo, resolver os problemas das actuais universidades públicas. Professores qualificados, já doutorados; funcionários experimentadíssimos na gestão das universidades, que lidavam com os orçamentos, os serviços académicos e outros, vieram a integrar outras universidades. Nós não recebemos nenhum funcionário. Apenas veio para a Covilhã o professor José Enes, que era professor de Sociologia, mas só cá esteve seis meses. Depois de estar cá há seis meses foi criado o Instituto Universitário dos Açores e ele foi chefiar a Comissão Instaladora desse instituto.
Évora, Trás-os-Montes e Alto Douro, Minho, Aveiro, a Nova de Lisboa, todos receberam professores já com doutoramentos feitos em Inglaterra, nos Estados Unidos da América, na Alemanha, em França, etc. Pessoas já com uma abertura de espírito muito grande e que vieram revolucionar as universidades portuguesas. Aquilo que se passou nos anos 80, só mais tarde é que as universidades tradicionais é que o vieram a adoptar. Nós não tivemos esse tipo de apoio e tudo o que foi feito com muito esforço, com muita persistência. Foi um trabalho lento, mas seguro e consolidado.
U@O – Mas, ainda assim, a UBI conta sempre com uma condicionante geográfica. Também vê a interioridade como facto de diferenciação negativa no que respeita à igualdade institucional?
José Correia Pinheiro – [Ver resposta] – Vejo grandemente, até porque, mais no passado do que agora, nós para ultrapassarmos uma falta de atractivamente que o Politécnico da Covilhã não tinha começámos a enviar docentes nossos para fazerem o seu doutoramento lá fora. Até porque, as universidades portuguesas da altura não estavam preparadas e não tinham programas de doutoramento para receber candidatos de outras instituições.
Alguns desses doutorados que nós pagámos e obtivemos bolsas e dispensámos do serviço para fazerem os doutoramentos lá fora, estavam aqui poucos meses e depois recebiam logo convites de outras instituições do Litoral e acabavam por ir embora. Era um trabalho que perdíamos, gastávamos dinheiro e não conseguíamos segurar muito tempo as pessoas.
Foi um trabalho que levou muito até estar consolidado. Até nisso, o problema da interioridade, da Covilhã não ser uma cidade atractiva em termos académicos e universitários também nos trouxe essa dificuldade acrescida.
Felizmente que hoje temos uma quantidade enorme de doutores, as perspectivas caminham para que, cada vez mais, os docentes sejam todos doutorados e portanto que a qualificação do pessoal docente, que já se conseguiu, ainda melhore no futuro.
"As universidades têm de participar cada vez mais na sociedade"
Perfil de José Correia Pinheiro
Multimédia