Coitados dos ricos nos tempos que correm, que não podem gozar abertamente da sua condição de ricos sem ofender a condição dos pobres! Coitados dos ricos cobertos pela vergonha de serem ricos! A toda a hora perseguidos pelos pobres, que os acusam de serem ricos à custa dos pobres! Coitados dos ricos que ocupam uma boa parte do seu tempo a pedir desculpa de serem ricos! Que tristes devem ser os ricos que gostam de ser ricos e não podem sê-lo à vontade! Pertencem à mais desditosa das raças entre todas as raças dos perseguidos! É mesmo de se ter pena deles! Creio, sinceramente, que ajudá-los a suportar o fardo da sua riqueza, incentivando a sua auto-estima, é um dever de qualquer cidadão.
Um rico, em princípio, não deve ter de pedir desculpa por ser rico. Se o faz, o pobre desconfia, e com razão, que o rico não se responsabiliza pelo pobre. “Olha”, diz o pobre, “lá vem outro rico humilde!” É difícil que um pobre perdoe a um rico que este não se conduza e comporte como um rico. Por isso, se é verdade que a ostentação da riqueza ofende o pobre, como frequentemente se admite, a sua ocultação não o ofende menos: “Que raio de rico é este que pretende ser como nós, e viver como nós?!”
Um pobre, aliás, pode muito bem defender que um rico deve comer do bom e do melhor e viver bem, a fim de que o rico não incorra na tentação de aconselhar o pobre a imitar a sua frugalidade. Um rico, claro, pode também pensar mais ou menos o mesmo: não deve viver como um pobre, para não perder o sentido dos seus privilégios e dos seus deveres. Mas ricos, que são ao mesmo tempo sábios, ricos sábios, são ricos raros. Não creio, no entanto, que devamos culpar a natureza humana por esta limitação. Não é defeito, é feitio.
Por esta altura, as pessoas esquecem sobretudo que ser rico não é um sinal de um favor, mas de um dever. É claro que um rico que se assume como rico, está, em princípio, de acordo que deve partilhar a sua riqueza com os pobres, ou, pelo menos, com os menos ricos que ele. Mas um pobre nunca tem a garantia da boa-fé do rico, e isso torna-o infeliz, e torna também infeliz o rico, que depende muito do pobre para ser rico. Um rico que não sabe que o que na sua riqueza mais importa não é o que ele recebe, mas o que ele dá, insisto, é um rico medíocre. É aquele que diz: “O que é meu é meu, e o que é teu é teu.” Infelizmente, as ruas das nossas cidades, nesta era de igualdade acelerada, estão repletas deste tipo de ricos.
Consciente de que um rico jamais deve renunciar ao seu dever de se mostrar rico, a rainha Vitória, aconselhada, talvez, pelo seu primeiro-ministro Benjamin Disraeli, dizia frequentemente à criada: “Hoje vou ver os pobres. Quero as minhas melhores jóias. É preciso não os desiludir.” É claro que a rainha Vitória pertencia àquela espécie de ricos malvados que ousam dizer: “O que é teu é meu, e o que é meu é meu.” Pertencia ao tipo de ricos que não se deixam amedrontar pela ameaça que diz: “É mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus.”
A essa espécie de ricos não lhes passava pela cabeça, e continua a não passar, que se deva, como outrora os Padres da Igreja punham a coisa, “proibir o dinheiro de fornicar”. Pelo contrário, que o dinheiro dê juros, que ele trabalhe, significa que existe de acordo com a sua função. Essa a razão por que essa espécie de ricos recomenda que se ajude um ex-rico de preferência a um pobre de sempre. A rainha Vitória, claro, era uma rica malvada…
Na verdade, ser rico a preceito, e não apenas ser rico como a rainha Vitória, é um grande encargo, e alguns ricos não são de todo capazes de o desempenhar a contento, e nem mesmo com proveito. Pois não é muito mais difícil dar do que receber? O rico que se preza é obrigado a dar com discrição, o que quase nunca é empreendimento fácil. Se ele dá e faz ostentação desse seu acto de dar, então é porque espera uma retribuição, e nesse caso chama a atenção quer dos poderosos quer dos invejosos, e humilha quem assim recebe. Um rico que quer dar na condição de ser ele o único a dar, quer apenas distinguir-se. É um rico medíocre. Um rico que quer que os outros ricos dêem, mas não ele, quer fazer passar-se por aquilo que não é. É um rico idiota. Um rico que não dá nem deixa os outros ricos dar é um rico que não merece ser rico. É um rico malvado. O tipo de rico da rainha Vitória.
Em contrapartida, um rico que dá, e continua a dar, mesmo que os outros ricos dêem, é um rico que merece ser rico. É um rico sábio. É um rico que diz: “O que é meu é teu, e o que é teu é teu.” Na minha opinião, há muitos poucos destes ricos nos dias que correm. E esse é um dos males do mundo. Que não é mundo apenas dos ricos nem para os ricos.
O tipo do rico, que é também sábio, insisto, sabe que o touro que ele oferenda tem a mesma santidade e a mesma dignidade que o punhado da farinha do pobre. Um rico deste tipo nunca pergunta a um pobre, antes de o alimentar, porque é que o pobre está com fome...
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