Poupança

Os tempos que vivemos, são de grandes incertezas. Nos valores, nos projectos de vida, nas opções do consumo, nos aumentos dos combustíveis e até no clima. Falta um ideal a comandar a acção.
Há uns bons anos, Paul Ricoeur, na revista francesa Esprit, observava que o homem moderno se confronta com quatro interrogações.
A primeira refere-se à autonomia. O homem contemporâneo não presta contas a ninguém e rejeita ser criatura. É o apogeu do individualismo.
A segunda centra-se no desejo. Na medida em que se satisfazem todas as suas necessidades, entra no mundo dos caprichos e do arbitrário. Quer tudo e deseja-o imediatamente.
A terceira interrogação diz respeito ao poder. Os conflitos entre países e o facto de haver só direitos sem qualquer dever fazem com que as pessoas se tornem mais arrogantes e o mais forte imponha a lei.
A quarta interrogação é o contra-senso. Quer-se mais e imediatamente mas com que finalidade? Pode viver-se sem pontos de referência e sem objectivos? Tudo parece tornar-se insignificante: o trabalho, a sexualidade, o lazer. O homem sonhava ser livre e acorda na escravidão.
Ora o que passa actualmente em Portugal tem a ver com o contra-senso e a escravidão. Escravidão com dois milhões de pobres, contra-senso de o País a viver acima das suas possibilidades a tal ponto que todos os dias ficam por pagar três milhões de euros de dívidas. E o flagelo atinge já mais de cem mil famílias.
O cenário é catastrófico. O crédito malparado está a crescer ao ritmo de 40 por cento ao ano. O incumprimento no pagamento das prestações das casas está a aumentar há seis meses. E, uma vez que três em cada quatro famílias têm casa própria, a hipoteca aos bancos é a norma.
Neste cenário, Portugal classifica-se como o país mais endividado da Zona Euro com as famílias a dever 125 por cento do seu rendimento disponível. Os especialistas consideram a actual crise doméstica como a pior desde 1986. O aumento dos combustíveis agrava ainda mais a situação. E a revisão em baixa do crescimento económico complica o orçamento das famílias e o seu nível de vida. As pessoas atingidas ficaram com os rendimentos alterados por situações de vida. Casos de divórcio, desemprego e doença.O perfil do sobreendividado é constituído por famílias de três pessoas. Têm idades entre os 30 e 35 anos e rendimentos de mais de mil euros por mês e habilitações médias e superiores. Classe média, portanto.
Perante o contra-senso do sobreendividamento, os bancos continuam alegremente a promover o crédito ao consumo e a agravar mais o problema. Em 2007, os bancos abriram mais empréstimos do que em 2006 para compras de computadores, plasmas, mobílias, automóveis e férias no estrangeiro.
A poupança que era uma palavra usual nas gerações anteriores não é agora conhecida. Apesar de haver um Dia Mundial da Poupança as gerações mais novas não se preocupam com isso.
Um inquérito diz que, apenas, 13 por cento dos portugueses declararam querer poupar este ano. A média da União Europeia anda pelos 25 por cento.
Como em casa os pais lhes deram todas as facilidades, os filhos julgam que a situação não muda. Estão redondamente enganados.
O tempo do consumo excessivo acabou. Quem não poupar conte com dias difíceis. E o bom senso manda que a hora é de poupança. E, parafraseando o ditado, acabou a festa, D. Constança.