Estatuto Editorial | Editorial | Equipa | O Urbi Errou | Contacto | Arquivo | Edição nº. 435 de 2008-05-27 |
Ironia da História: quem havia de dizer que teríamos de voltar ao cultivo em força da terras abandonadas? A crise alimentar que aí está, vai efectivamente obrigar a novos investimentos na agricultura. Crise de tal modo grave que a directora do Programa Mundial Alimentar das Nações Unidas a baptizou de “tsunami silencioso”.
E, outra ironia, é a prosperidade económica a causa principal da tragédia que se anuncia. A China e a Índia atravessam um crescimento elevado. Em consequência há mais dinheiro. A classe média amplia-se. Compram-se mais carros. Criam-se novas unidades empresariais. O consumo do petróleo aumenta. A carne torna-se em alimento favorito. As rações para os animais tornam-se mais caras. E a maior procura faz aumentar os preços. Sobretudo do petróleo.
Acresce ainda que países como os Estados Unidos e o Brasil começam a recorrer aos cereais para produzir biodiesel. E, claro, os cereais escasseiam para a alimentação.
As alterações climáticas complicam ainda mais a questão afectando as colheitas sobretudo na Austrália e no Canadá. E outro elemento a ter a conta é o facto de a população, em termos mundiais, continuar em crescimento. Em meados do século, seremos 9 mil milhões.
Depois, há a especulação. E os cereais sobretudo o arroz sofrem aumentos exorbitantes nos preços. E assim chegámos a uma situação perigosa com mais de 300 milhões de pessoas já a passar fome.
Depois da crise do imobiliário nos Estados Unidos, temos agora o que nunca se supunha pudesse acontecer: a falta da comida.
Por agora, é na Ásia que o problema apresenta contornos de tragédia. Embora a Europa tenha excedentes de cereais, surge o problema dos preços que urge estabilizar nas farinhas, leite e derivados, arroz e ovos.
Portugal está numa situação de fronteira, uma vez que depende em 80 por cento da importação de matérias-primas. E o cultivo das terras abandonadas com o fenómeno maciço da emigração tornar-se-á com o tempo necessário.
Como resolver a escassez da comida? Josué de Castro no seu livro Geopolítica da Fome já apresentava a solução: gerir bem o planeta. Com uma boa gestão das riquezas actuais, o dobro da população actual poderia ser alimentada sem problemas. Mas, para isso, é imperioso regulamentar e controlar o preço dos combustíveis. Tarefa que se afigura urgente mas difícil.
Os especialistas apontam soluções. A primeira consiste em mudar o sistema de ajudas aos países pobres. Em vez do envio de alimentos, dar sementes para que possam fazer a sua própria produção.
A segunda é radical: eliminar os subsídios ao biodiesel. Ninguém contesta que o mundo precisa de energias alternativas. Mas usar alimentos para podermos andar de automóvel não será a solução mais apropriada. Têm que ser encontradas plantas que não sejam necessárias para a alimentação. E isso é possível.
A terceira diz respeito às alterações climáticas. O homem não pode orientar o progresso contra si próprio. Por isso, importa chegar ao desejado acordo sobre a limitação das emissões poluentes na atmosfera.
E todos os países cumprirem o Protocolo de Quioto.
A História demonstra que a fome pode causar as maiores tragédias. Por isso, não há tempo a perder.
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