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“O cinema está numa fase muito estranha”
Entrevista com Jorge Silva Melo, fundador do Teatro da Cornucópia e realizador de cinema. Um dos nomes grandes da narrativa cinematográfica portuguesa esteve na UBI a dirigir um workshop de dois dias aos alunos da instituição. Jorge Silva Melo, que também já produziu e realizou diversas obras para a sétima arte, em entrevista ao Urbi, explica todo o impacto das políticas culturais “ou a falta delas” no cinema nacional e o futuro desta área.
> Eduardo AlvesUrbi@Orbi – Esteve na UBI a orientar um workshop sobre a narrativa para os alunos de Cinema. Como foi esta acção?
Jorge Silva Melo – [Ver resposta] – Fiz já vários filmes, escrevi outros tantos argumentos e fiz várias peças, daí ter vindo falar sobre a narrativa. Vim também falar sobre o que é a narrativa cinematográfica. Começamos por falar sobre uma narrativa clássica que foi “Os Pássaros” do Hitchcock, filme que foi exibido no primeiro dos dois dias da actividade e no segundo dia exibi um filme que escrevi e realizei. No final do encontro há ainda espaço para uma conversa aberta com os alunos. Acção que serviu sobretudo para dar a entender o que é uma narrativa clássica e quais são as alternativas a esse mesmo género de narrativa, ou seja, uma conversa sobre a construção de um guião.
Urbi@Orbi – E como é que está a narrativa para os filmes portugueses?
Jorge Silva Melo – [Ver resposta] – Está num momento esquisito, até porque o cinema também está numa fase muito estranha. Está muito dependente da televisão. A maior parte dos argumentos que tenho lido são mais pensados para televisão ou para séries. Argumentos muito híbridos, uma subespécie de cinema.
Digamos que ficou muito mal visto agora, está muito mal a situação da criação cinematográfica. O cinema poderá estar a avançar em alguns meios tecnológicos ou coisa parecida, há dois muito interessantes, mas a parte de criação, ou seja, a escrita ou a realização está “chapa 1” e é tudo igual.
Urbi@Orbi – Começa a surgir uma certa moda de adaptar narrativas “novelísticas” ou de “literatura light” para as produções cinematográficas. Com tem acompanho este fenómeno?
Jorge Silva Melo – [Ver resposta] – A situação económica do cinema é de tal forma grave que há várias pessoas que pensam que colando-se à imagem dominante da televisão, que criou uma imagem, que criou actores conhecidos dos espectadores, ganham alguma coisa com isso.
Tal atitude é um perfeito disparate. Lisboa não ganha nada em ficar parecida com Paris, ou com Nova York, ou com Los Angeles. Lisboa ganha em ser Los Angeles, o cinema ganha em ser cinema e a televisão ganha em ser televisão. Mas isto de tentar imitar os vencedores parece-me uma patetice
Urbi@Orbi – Então como é que vê o futuro do Cinema em Portugal?
Jorge Silva Melo – [Ver resposta] – O grande problema está na distribuição. A rede de distribuição em que o Estado nunca tocou nem que nunca tentou regularizar, ao contrário de outros países como a França, que teve sempre uma política de bastante intervenção nas salas, por exemplo; em Portugal tudo foi deixado ao abandono. O cinema e a projecção só não morreram ou fecharam porque estão completamente dependentes dos grandes interesses americanos.
No ano passado havia 2,4 por cento de produção a ser exibida nas salas. É aberrante. Na televisão conseguiu-se que a produção nacional subisse e a TVI, com o seu nível populista e demagógico consegue que a maior parte da produção seja nacional. É estranho que o cinema não consiga ter, nas salas de distribuição, uma percentagem maior e um maior entendimento com os espectadores.
Não é culpa dos realizadores, é culpa da ausência completa de políticas que determinam alguma moral em relação à questão e são apenas dependentes dos interesses comerciais.
Urbi@Orbi – Que levam ao encerramento de salas e projectos como foi, por exemplo, o caso do “Quarteto”. Ou não é bem assim?
Jorge Silva Melo – [Ver resposta] – O Quarteto estava moribundo já há muito tempo. É uma pena que tenha chegado àquele estado e não tenha sido alvo de uma intervenção. Era uma sala já muito deficiente. Nunca foi uma grande sala, mas foi uma sala muito viva porque o seu programador era um homem muito vivo e activo. Nunca teve grandes condições de projecção mas foi a principal sala de Lisboa durante muitos anos. É pena que nem o seu mentor nem os vários poderes políticos tenham tido uma visão de futuro em relação àquela sala. Um projecto que deveria ter sido pensado, renovado e transformado numa sala central na distribuição alternativa em Lisboa.
“As narrativas agora estão mal”
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