Voltar à Página da edicao n. 423 de 2008-03-04
Jornal Online da UBI, da Covilhã, da Região e do Resto
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> <strong>José Geraldes</strong><br />

O Estado asfixiante e a pobreza infantil

> José Geraldes

Dois factos da actualidade merecem ser assinalados e levarem-nos a uma reflexão séria. O primeiro é um comunicado da Sedes, associação cívica que existe desde 1970. O segundo diz respeito ao relatório da União Europeia sobre a pobreza infantil.
Ambos os factos traduzem realidades que não podem ser ignoradas nem desvalorizadas porque incomodam. E torna-se imperativo de consciência enfrentá-las sem medo e, sobretudo, tirar delas as lições devidas. Mergulhar a cabeça na areia como a avestruz, salda-se por mera perda de tempo e adiamento injustificado dos problemas.
O comunicado da Sedes, composta por pessoas de diferentes formações académicas, estratos sociais e opções políticas, fala de “um mal-estar difuso” que “alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional.” Igualmente, faz uma forte chamada de atenção para “os sinais de degradação da qualidade de vida cívica”. A Sedes concretiza os seus alertas na degradação de confiança no sistema político, nos sinais da crise dos valores, na comunicação social e na justiça, na criminalidade, insegurança e exageros do Estado.
A “combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz” é objecto de denúncia da Sedes por considerar que parece “também funcionar subordinada a agendas políticas.” Esta combinação dá origem a “uma suspeição generalizada” sobre “a classe política”.“É o pior dos mundos”, por se tornar “impune lançar suspeitas infundadas”, o que leva ao afastamento da política “muitas pessoas sérias e competentes”.
E quanto ao Estado? A Sedes nota a sua presença “asfixiante sobre toda a sociedade”. Mais. “Demite-se do seu dever de isenta regulação para desenvolver duvidosas articulações com interesses privados”.
A Sedes dirige críticas severas aos partidos políticos que têm “a obrigação de prestar contas de forma permanente sobre o modo como exercem” as funções. “Há uma dissociação entre os eleitores e os partidos”. Daí o “Estado ter de abrir urgentemente canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos”. Porquê? A Sedes explica que “os portugueses têm de poder entender as razões que presidem à formação das políticas públicas que lhes dizem respeito”.
Mas a Sedes não se fica pelas denúncias, pois apela fortemente à sociedade civil para intervir e participar.
Classificado de “tremendista”, o comunicado da Sedes reflecte o pensar do país real. Basta ouvir as pessoas nos cafés e nas lojas comerciais. Não se trata de pôr em causa reformas que, há muito, deviam ter sido feitas mas de dar um sentido ético à forma de fazer política.
Quando é que um cartão partidário deixa de ser mais importante do que a competência comprovada nas admissões a cargos do Estado?
O relatório da União Europeia sobre a pobreza infantil é dramático para Portugal. Uma em cada cinco crianças no País corre o risco de pobreza. O  mais alto da Europa. Este o facto. Mas a situação geradora desta situação não é menos chocante.
A conclusão é que a pobreza das crianças está relacionada com a menor escolaridade dos pais. O ciclo geracional de reprodução da pobreza mantém-se. 88 por cento das crianças portuguesas em risco de pobreza vivem em agregados com baixas qualificações.
A situação agravou-se desde o último relatório. O aumento do desemprego, os baixos salários e o abandono escolar reforçaram os riscos da pobreza infantil que aumentam nas famílias com crianças e idosos, mas também, e sobretudo, nas famílias monoparentais.
As políticas sociais precisam de uma reviravolta para inverter a tendência. O grito do poeta é oportuno: “mas as crianças, Senhor”?


Data de publicação: 2008-03-04 00:00:00
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