Estatuto Editorial | Editorial | Equipa | O Urbi Errou | Contacto | Arquivo | Edição nº. 387 de 2007-07-03 |
Identidade sem fronteiras
Foi um trabalho singular sobre um tema ainda pouco aflorado, o que deu forma à tese de doutoramento em Ciências da Comunicação apresentada na UBI. A etnicidade dos filhos dos migrantes serviu de mote a este estudo científico.
> Eduardo AlvesÉ de imagens que se constrói muito do pensamento, muita da linguagem e da identidade dos povos. Imagens que fazem hoje parte de um lugar colectivo a que se convencionou chamar mundo, muito por força dos órgãos de comunicação social que chegam a todo o lado a toda a hora e que agora serviram de base para este estudo. Foi precisamente sobre as imagens, sobre que imagens têm os filhos dos migrantes que José Ricardo Pinto Carvalheiro decidiu elaborar a sua tese de doutoramento. Este estudo intitulado “Fronteiras da etnicidade – filhos de migrantes como audiências mediáticas” foi apresentado ontem, 2 de Julho na UBI.
José Ricardo Carvalheiro fez o retrato da sociedade portuguesa através das opiniões dos jovens descendentes dos emigrantes lusos na região de Paris, mas também, vista pelos olhos dos filhos dos imigrantes cabo-verdianos que residem em Lisboa. Duas formas de viver, de pensar e de interagir, mas que têm Portugal como elo de ligação e questão comum. O autor do estudo, para além de diversos inquéritos feitos a estes descendentes migrantes, analisou também o papel que os media tem tido em ambos os lados na criação de imagem ou de várias “fotografias sociais”.
Depois de todo um trabalho empírico e de pesquisa, esta tese aponta como uma das principais conclusões, o facto de que “os media têm um papel importante na definição das identidades, o que se nota mais quando se trata de descendentes de emigrantes”. José Ricardo Carvalheiro, explica também, neste ponto, que “este estudo procurou descobrir a forma como um determinado grupo faz a sua imagem”. Os descententes de emigrantes portugueses na região de Paris, “têm vários tipos de imagens transmitidas pelos media”, dependendo muito do grau de escolaridade que estes jovens tenham. José Ricardo acrescenta que “há uns que procuram mais a adaptação à sociedade portuguesa, através de uma maior ligação a aspectos culturais mais ricos e tentam aprofundar as notícias e os conteúdos que lhes chegam, há também outros de escolaridade mais baixa cuja ligação é mais popular e que, talvez por isso, acabam por não questionar a imagem que lhes é transmitida”.
Do outro lado da fronteira, já em solo português, o papel dos media na integração dos descendentes dos imigrantes “também tem fortes influências”. O autor deste estudo, jornalista durante largos anos no Jornal do Fundão, explica que “o que se encontra cá é a estigmatização dos jovens pelos media, sobretudo quando se trata de jovens de origem africana”. Nos casos analisados por José Ricardo, “até há bem pouco tempo, os media não distinguiam origens e estigmatizavam sistematicamente estes jovens”. Durante a década de 90, por exemplo, “as poucas notícias sobre jovens descendentes de imigrantes africanos falavam em violência, marginalidade e delinquência”. Todavia, o autor de “Fronteiras de etnicidade – filhos de migrantes como audiências mediáticas” faz a ressalva para o facto “deste cenário estar agora em franca mudança”. “Hoje encontra-se já uma multiplicidade de imagens sobre estes mesmos jovens muito diferente da existente”, reitera o autor da tese. O mesmo lembra que “isso leva muito tempo a mudar na mentalidade dos jovens”.
Este estudo vem assim trazer a lume a “imagem muito monolítica do que é a nação portuguesa”, imagem centrada em aspectos da classe média e que pertence a uma fotografia social demasiado redutora que “foi passada durante anos”. Actualmente, está a construir-se já uma imagem de um Portugal diferente “através da transmissão de conteúdos multifacetados e de diferentes pontos de vista”.
José Ricardo Carvalheiro revela agora que para o futuro “fica em aberto outro tipo de áreas em estudo, sobretudo, ao nível da área ligada às migrações e outro tipo de trabalhos que em Portugal soa quase inexistentes, o que é uma forte lacuna. Há uma falta de estudos acerca das imagens dos novos africanos nas telenovelas e no cinema”.
No entender do júri este trabalho representou um contributo muito importante por englobar diversas áreas e também apontar caminhos práticos para uma transformação que se tem de operar nos media. Segundo estes elementos, esta é uma tese “de grande maturidade e feita através de canais de estudo próprios. É o resultado de toda uma trajectória pessoal e profissional que se reveste de um interesse teórico elevado.
Ajuda a romper alguns conceitos associados ao problema da cultura portuguesa a imagem que o País transmite”.
A tese foi aprovada pelo júri composto por António Carreto Fidalgo, professor catedrático da Universidade da Beira Interior, José Manuel Paquete de Oliveira, professor associado do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Manuel Joaquim da Silva Pinto, professor associado da Universidade do Minho, Joaquim Mateus Paulo Serra, professor associado da Universidade da Beira Interior, João Carlos Ferreira Correia, professor auxiliar da Universidade da Beira Interior e Maria Cristina Mendes da Ponte, professora auxiliar da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
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