Voltar à Página da edicao n. 382 de 2007-05-29
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Autonomia e tutela

> António Fidalgo

Na proposta governamental do RJIES (Regimento Jurídico das Instituições de Ensino Superior) há uma expressão de antologia pelo paradoxo que envolve: “a autonomia das instituições de ensino superior não preclude a tutela governamental” art. 11º, al. 4.
Com efeito, o significado de autonomia é justamente o de uma lei própria, livre de tutela. Autonomia e tutela opõem-se, de tal maneira que a autonomia é tanto maior quanto menor for a tutela e tanto menor quanto maior a tutela. Aqui não há volta a dar; ou uma coisa ou outra, as duas ao mesmo tempo é que não.

O uso do termo “preclude” é sintomático. Nos dicionários portugueses não existe. Não aparece no Dicionário da Língua Portuguesa Contemorânea da Academia das Ciências nem no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. No Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado aparece o termo “precluir” (que dá a forma “preclui”) e cujo significado é: “Ser (uma faculdade processual) atingida de preclusão”. Sobre preclusão diz que, enquanto termo jurídico, significa “Perda de determinada faculdade processual civil, pelo não exercício dela na ordem legal, ou por se haver realizado uma actividade incompatível com tal exercício, ou, ainda, por já ter sido ela validamente exercitada.” Contudo, o termo “perclude” aparece em documentos jurídicos, nomeadamente em acórdãos forenses, conforme explicita a consulta à página ciberduvidas.sapo.pt

Arranja-se um palavrão jurídico para tentar dizer que em princípio as instituições de ensino superior são autónomas, mas que de facto quem manda é a tutela. Que olhos se pretendem tapar com esta poeira jurídica?

Vamos ao cerne das coisas. A proposta de RJIES não pode arvorar a autonomia do ensino superior, aliás conforme o prescrito pelo art. 76º da Constituição da República, e depois cercear essa autonomia com a tutela governamental. Ainda mais que a letra da Constituição importa, porém, entender o espírito da universidade. As universidades são por natureza instituições autónomas e tutelá-las é matá-las. Uma universidade não é, nem nunca poderá ser, uma Direcção Geral, uma Repartição, ou um organismo estatal directamente tutelado por um Ministro ou um Secretário de Estado.

Claro que não basta a autonomia universitária estar consignada constitucionalmente para que ela se exerça plenamente. Faltam anos às universidades portuguesas para se autonomizarem de facto, para ganharem verdadeira autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira. Todavia a alternativa não é suprir os riscos desses anos de exercício e aprendizagem da autonomia (e a autonomia só se aprende com o exercício!) com uma lei que não “preclude” a tutela governamental sobre as universidades.


Data de publicação: 2007-05-29 00:00:00
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