Voltar à Página da edicao n. 379 de 2007-05-08
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Director: António Fidalgo Directores-adjuntos: Anabela Gradim e João Canavilhas
 
> <strong>José Moutinho</strong><br />

Nós a Vida e o Cancro - Conhecer o máximo sobre a doença e o máximo sobre o doente!

> José Moutinho

A Medicina não é uma ciência exacta, mas sim de probabilidades. E em Oncologia não se foge à regra! Assim, quando se diz que um tratamento beneficia 7 em cada 10 doentes, isso que dizer que, em cada três de dez doentes, o tratamento ou agrava ou não tem efeito sobre essa doença. Os médicos, na prática diária, procuram valorizar características específicas das doenças e de cada pessoa de forma a poderem aumentar a probabilidade de sucesso dos tratamentos, e dessa forma diminuírem o número de casos em que a terapêutica não resulta ou até é prejudicial. Em Oncologia esta atitude é muito importante e pode significar a diferença entre a vida e a morte do doente.
Quando o primeiro tratamento utilizado para curar o cancro falha, o objectivo dos tratamentos seguintes é de tentar tratar a própria doença, agora diferente por “já ter sido mexida”, e também os efeitos adversos provocados pelo primeiro tratamento, pelo que a sua eficácia é logo á partida mais limitada. Por norma, a primeira tentativa de tratar o cancro é a que resulta melhor, e por isso, é necessário tentar “acertar” logo à primeira.
Para seleccionar o melhor tratamento para o cancro, a equipa médica vai ter de considerar: 1) as características específicas do cancro, assim como 2) as particularidades de cada doente.
A tentativa de prever a evolução do cancro (nem sempre conseguida) é baseada no Estadiamento da doença e na valorização dos chamados Factores de Prognóstico. O que é que isso significa?
O Estadiamento é o método que se usa para se conhecer a extensão da doença. Permite, com base nas características do cancro, dividir a doença em grupos (denominados de Estádios) de diferente gravidade e com diferentes possibilidades de cura. Em geral, para cada Estádio existe um tratamento diferente, assim com diferentes probabilidades do tratamento curar o doente. Existem vários sistemas de Estadiamento, mas o mais conhecido e divulgado é a classificação TNM: T refere-se ao tumor; N refere-se aos gânglios linfáticos “à volta do tumor” (Node em inglês); M refere-se à disseminação da doença à distância (Metástases). O estadiamento pode ser clínico (efectuado pela observação directa do médico e por exames) ou cirúrgico (através de uma operação). Tomando como exemplo, uma senhora que tenha um cancro do seio com 1,5 cm de maior diâmetro, sem gânglios palpáveis na cova do braço e sem doença detectável no resto do corpo, através de exames, podemos dizer que aquela senhora tem um cancro do seio com o seguinte estadiamento clínico: T1N0M0; T1 (tumor com menos de 2 cm) N0 (ausência de doença nos gânglios) M0 (ausência de metástases). Esta doente tem muitas possibilidades de ficar curada para sempre, e é possível que um tratamento cirúrgico em que não é necessária a ablação completa do seio seja o suficiente para tal. Mas imaginemos que os exames efectuados pela referida doente revelavam disseminação da sua doença para uma vértebra da coluna (metástase na coluna). Neste caso, o anterior estadiamento mudava para T1N0M1, e agora a doença era grave, e provavelmente a doente beneficiaria mais em tratar primeiro a metástase da coluna (a fim de evitar que a vértebra se quebrasse) e só depois tratar o tumor localizado no seio.
Os Factores de Prognóstico são outra ferramenta que se usa para definir a agressividade da doença e programar o tipo de tratamento do cancro. São determinados tanto pelas características próprias do doente como pela análise laboratorial do próprio tumor. Voltando ao exemplo da senhora com o cancro do seio que teve o estadiamento T1N0M0. O mesmo cancro tem menor gravidade numa doente de 70 anos do que noutra com 35 anos. Levando em consideração o factor de prognóstico idade, pode ser sugerido à senhora com 70 anos um tratamento baseado apenas na cirurgia, enquanto que à senhora com 35 anos pode ser aconselhado um tratamento com cirurgia e quimioterapia. Mas a análise laboratorial do tumor pode revelar que o seu crescimento é influenciado pelas hormonas. Neste caso, a equipa médica pode sugerir também um tratamento que anule o efeito das hormonas (Hormonoterapia). Considerando o nosso exemplo, e neste caso, à doente de 70 anos ser-lhe-ia proposto tratamento com cirurgia e hormonoterapia, e à doente de 35 anos, ser-lhe-ia proposto cirurgia, quimioterapia e hormonoterapia.
Se é fundamental deduzir comportamento e a agressividade do cancro, através do sistema de estadiamento e da valorização dos factores de prognóstico, não é menos importante conhecer o estado de saúde da pessoa a quem foi diagnosticado o cancro, no sentido de se apreciar a sua tolerabilidade ao tratamento a instituir. Esse conhecimento vai ser obtido através da observação directa do médico, de análises ao sangue e à urina, assim como de outros exames considerados necessários. Voltemos então à nossa doente de 70 anos com um cancro da mama que teve o estadiamento T1N0M0 (com muitas probabilidades de ficar curada), e vamos imaginar que tinha uma doença cardíaca grave, com sério risco de morrer na operação. Então já não lhe deveria ser proposto tratamento por cirurgia, mas eventualmente poderia estar aconselhado tratamento por radiações (Radioterapia), tratamento com menos probabilidade de cura, mas que a doente poderia tolerar.
Para além das condições de saúde do doente com cancro é também fundamental valorizar a opinião e o desejo do próprio doente. Vamos considerar, mais uma vez, a nossa doente com 70 anos com cancro da mama. Nesta senhora, um tratamento cirúrgico que removesse apenas um “gomo” do peito seria o suficiente para tratar adequadamente a sua doença, mas a senhora pode não se sentir segura com esta opção e preferir a ablação completa do seio. Quando tal acontece deve ser respeitada a preferência do doente.
Podemos assim verificar que a selecção do tratamento mais adequado a cada pessoa que tem um cancro obriga à consideração de diversas variáveis: classificação por estádios, outros factores de prognóstico, condições de saúde e os desejos expressos pelo próprio doente. É necessário fazer um esforço para conhecer o máximo sobre o cancro e o máximo sobre a pessoa que sofre do cancro. Nem sempre é tarefa fácil! Por vezes demora algum tempo, e é necessário recorrer à ajuda de outros técnicos (psicólogos, assistentes sociais, etc.) o que desespera alguns doentes, que receiam que o atraso no início do tratamento os venha a prejudicar (3-4 semanas não afecta a evolução do cancro), mas é tempo necessário e muito útil para a tomada das melhores decisões, em geral, em reuniões médicas de grupo, nas quais participam vários médicos envolvidas no diagnóstico e no tratamento do cancro, e o próprio doente, se assim o desejar.
No entanto, não nos podemos esquecer que a vontade que o doente demonstra para vencer a doença, o gosto que tem por continuar a viver, a confiança que deposita na equipa médica e o suporte que recebe dos familiares e dos amigos, senão são determinantes para cura do cancro, são-no, sem sombra de dúvida, de grande importância para o êxito dos tratamentos!


Data de publicação: 2007-05-08 00:00:00
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