Voltar à Página da edicao n. 375 de 2007-04-10
Jornal Online da UBI, da Covilhã, da Região e do Resto
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> <strong>José Moutinho</strong><br />

Nós, o Cancro e a Vida

> José Moutinho

Afinal, o que é o cancro?!
Com este artigo de opinião, vou iniciar uma série de artigos sobre alguns aspectos relacionados com o cancro. Tenciono abordar as formas como podemos ser atingidos por essas terríveis doenças, para as quais, felizmente, vamos dispondo de cada vez mais soluções, e também as atitudes que devemos adoptar para evitar ou minorar os seus efeitos.
Para começar, nada melhor do que tentar explicar em termos simples o que se considera ser hoje o cancro. Podemos dizer que o cancro é uma proliferação anormal de células, que entre outras características têm a capacidade de:
1) viver mais que a pessoa que lhes deu origem (existem células cancerosas em cultura, cujos “proprietários” já morreram há mais de 20 anos);
2) não respeitarem as leis que lhe são definidas pelo corpo da pessoa de onde se originaram, e
3) terem entre elas um sistema de organização muito rígido e bem estruturado, que lhes permite a sobrevivência num ambiente que lhes é hostil. De forma grosseira podemos comparar o cancro a um bando de delinquentes, agressivo e organizado, capaz de destruir o meio em que vivem, incluindo a eles próprios. Ao contrário de um bando de delinquentes que cresce em número e força através da inclusão de novos elementos, o cancro inicia-se numa única célula do nosso corpo que já herdou ou sofreu uma alteração instantânea nos seus cromossomas, denominada de iniciação, e que adquiriu assim a capacidade de se poder vir a tornar uma célula cancerosa (ao longo da nossa vida, nas células do nosso corpo dão-se milhões de alterações genéticas:
1) habitualmente, essas alterações genéticas atingem “órgãos” vitais para a célula, o que resulta na sua morte e na sua substituição por outra célula;
2) muito raramente constituem um benefício para a nossa saúde, o que acontece muito espaçadamente, com intervalos de muitos anos; e
3) com alguma frequência as alterações genéticas afectam a “mente” da célula – esta não morre, passa a ter um comportamento aberrante e adquire a potencialidade de se transformar em cancro). A célula iniciada divide-se então em muitas células filhas e forma um clone de células que no seu conjunto constituem uma doença pré-cancerosa (nasceu assim o primeiro bando de delinquentes, que faz “malandrices”, que algumas pessoas até acham piada, e que outras até estão na disposição de apoiar. O grupo tem pouca coesão e é fácil de dissolver!). Deste clone de células, por acção lenta e continuada, muitas vezes de anos (a maioria dos cancros demoram anos a formarem-se, o que dá tempo para se implementarem medidas preventivas e de diagnóstico precoce), de factores denominados de factores promotores (hábitos tabágicos, tóxicos ambientais, exposição solar excessiva, infecções, produtos químicos, etc.), uma célula desse clone de células “delinquentes” sofre outras alterações nos seus genes e forma novos clones de células filhas, agora mais agressivos, melhor organizados, e capazes de fazer mais estragos (nascem assim novos bandos de delinquentes, de que já ninguém gosta, e para o qual todos concordam que se tem que tomar medidas eficazes, mas que já não são tão fáceis de eliminar!). Ficou assim formada uma doença pré-cancerosa de alto risco para evoluir para cancro. Este processo vai-se repetindo sucessivamente, e vão surgindo clones celulares cada vez mais agressivos e com melhores sistemas organizativos, que destroem e ocupam o lugar dos clones anteriores, até que finalmente, um dos clones consegue tornar-se independente das leis sociais, ludibriar a “polícia” e em alguns casos conquistar a colaboração das “autoridades”, e a sua influência não conhece limites ou fronteiras. São hábeis “criminosos”, em continuo aperfeiçoamento, capazes de sugar em seu próprio proveito, de uma forma fria e implacável, o alimento e as energias do corpo que lhes deu origem, debilitando-o até à morte. Está assim formado o cancro, e então vai ser duro e difícil lutar contra ele!
Para algumas formas de cancro, como o do cólon (intestino grosso), a ordem da sucessão das modificações genéticas que vão ocorrendo desde a célula normal até ao cancro, estão já completamente caracterizadas, e esse conhecimento tem contribuído em muito para a prevenção, rastreio e tratamento daquela variedade de cancro.
Tal como psicólogos e psiquiatras, entre outros profissionais, procuram compreender os mecanismos que estão na base da delinquência, no sentido de aperfeiçoar a luta contra a criminalidade, também investigadores na área do cancro, incluindo investigadores da Universidade de Beira Interior, tentam compreender a intimidade das vias da transformação das células em cancro, passo essencial para a elaboração de estratégias que permitam melhorar quer as acções de prevenção, mas sobretudo as estratégias terapêutica contra o cancro. E o trabalho dos investigadores não tem sido em vão!
No mundo Ocidental, fruto do aumento da longevidade (o cancro é uma doença do envelhecimento, se bem que em menor proporção pode afectar adultos jovens e até crianças) e da crescente industrialização, o número de cancros que se diagnosticam em cada ano tem aumentado sempre, e vai continuar a aumentar sempre, mas o risco de morrer por cancro tem diminuído todos os anos, e vai continuar a diminuir, o que significa que estamos a diagnosticar o cancros mais cedo, em fase ainda curável, mas principalmente estamos a combater o cancro de forma mais eficaz, de forma mais estruturada e com tratamentos melhores e mais adequados.
Na luta contra o cancro estamos a viver tempos de confiança e de esperança, mas é muito importante a colaboração de todos nós!

José Alberto Fonseca Moutinho é docente na Faculdade de Ciências da Saúde da UBI e responsável pela Unidade de Oncologia do CHCB


Data de publicação: 2007-04-10 00:00:00
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