Estatuto Editorial | Editorial | Equipa | O Urbi Errou | Contacto | Arquivo | Edição nº. 373 de 2007-03-27 |
Presenças internacionais encerram InBlues
Meia hora antes de José Luis Gutiérrez (Espanha) e Velma Powell (EUA) subirem ao palco, a selecção nacional de futebol começava a jogar contra a Bélgica. Mais de uma hora de blues, jazz e rock’n’roll provaram que perdeu quem não foi ao Teatro Municipal da Guarda (TMG).
> Igor CostaVelma Powell escolheu a dedo a frase com que saudou os presentes no TMG: “Muito boa noite a todos os que preferem a música ao futebol”. “Autoblues” é o nome do espectáculo que fechou o Festival de Blues da Guarda. Um conjunto de três concertos que culminou com este, a 24 de Março. Depois de Inglaterra e Estados Unidos, vieram de Espanha as melodias que deslizaram ao longo de um longo friso cronológico. Sem complexos, José Luís Gutiérrez e os seus músicos não defraudaram um Pequeno Auditório bem composto, dadas as circunstâncias.
Nasceu em Chicago, a cidade que viu os blues darem lugar ao jazz, mas há 30 anos que Velma Powell está em Espanha. Atravessou o Atlântico para estudar castelhano, mas logo descobriu no país vizinho quem gostasse da música com que cresceu, para além de uma concorrência bem menos feroz. Apesar de os blues serem um género com raízes nos Estados Unidos, Velma Powel encontra comparações que a fazem acreditar que são compreendidos por quem os ouve na Península Ibérica: “Os blues são como o fado, são sentimento puro. E o fado é compreendido em todo o mundo porque é sentido por quem o ouve. Os blues são uma história de amor ou desamor, normalmente, e as pessoas compreendem-no pelo que são, uma música profunda”. Está com José Luís Gutiérrez (saxofone), Ramón Garcia (guitarra), Cesar Díez (baixo) e Antolín Olea (bateria) no projecto Christmas Blues, e com eles explora novas fronteiras artísticas. O saxofonista compõe também os originais do grupo e arranja as versões de temas como “Rock around the clock”.
Em palco, José Luís Gutiérrez deambulou entre o centro e a esquerda, com o seu estilo personalizado, mas recusa protagonismo. O artista tem uma relação muito especial com o saxofone: “É um instrumento muito interior, que funciona com elementos que saem directamente do interior do corpo, e que se toca com o principal instrumento de expressão que temos, que é a voz. Isso dá-lhe características muito humanas”. Atrás, a guitarra eléctrica de Ramón Garcia ora se pavoneia em exuberantes solos, a lembrar os mais intensos concertos de puro rock, ora se remete para a discrição de um quase dedilhado. Entre uns e outros, longos duelos com o saxofonista, bem ao estilo do jazz e dos blues, são os momentos de maior surpresa. Cesar Díez e Antolín Olea remetem-se para uma discrição pouco evidente. É verdade que, não fosse o longo momento de apresentação a terminar o concerto, o baixo e a bateria quase passariam despercebidos. Mas mais verdade é que, sem eles, seria o concerto a ficar em perda. Cadenciados, coube-lhes marcar o ritmo de um concerto rico em sonoridades.
À americana bastou a voz para encher todo o espaço. Umas vezes, tórrida, emocionante e emocionada, quando os blues mais clássicos a levavam para a sua terra. Outras, sensível e atrevida, quando os temas se aproximavam de um jazz cada vez mais internacional. Mas em todos os momentos se notou que Velma Powell tinha uma missão muito especial. Em cada tema contou uma história, fosse a dos negros e dos seus espirituais na longa subida do Mississipi, fosse a de “provas circunstanciais” que embaraçaram um qualquer casal, numa outra realidade. A cantora vê na linguagem um dos aspectos mais particulares dos blues: “A parte mais difícil para que as pessoas compreendam os blues são as palavras. Entendem o sentimento, mas reconheço que as palavras são duras, pela História a que estão associadas”.
A meia-luz branca e amarela fazia crer que, não fosse o palmo e meio de altura do palco, todos teriam sido convidados para assistir a um ensaio. Em outros momentos, os tons azuis e vermelhos disparados pelos focos levavam a plateia para os clubes mais clássicos e intimistas de Chicago e Nova Orleães. E vontade não terá faltado, de tantos espectadores que batiam o pé ou abanavam a cabeça.
Multimédia