Voltar à Página da edicao n. 369 de 2007-02-27
Jornal Online da UBI, da Covilhã, da Região e do Resto
Director: António Fidalgo Directores-adjuntos: Anabela Gradim e João Canavilhas
 

Para o ZECA

> Eduardo Alves

Há quem continue a dizer que não se devem recordar as pessoas “na data do falecimento”. Como é o presente caso. Mas, ainda assim, o “Zeca” deve ser recordado em qualquer altura, razão mais que justa para ser lembrado também por alturas dos 20 anos sobre o seu desaparecimento.
José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos foi, é e será para sempre a voz da Revolução de Abril. Nascido a 2 de Agosto de 1929 na cidade de Aveiro acaba por falecer a 23 de Fevereiro de 1987. A história da música de intervenção portuguesa passa obrigatoriamente por “Zeca Afonso”, como o povo e os amigos carinhosamente o chamam. A história de vida do Zeca é marcada pela ligação a Angola, para onde vai viver com cerca de três anos de idade. Esta ligação às planícies, aos rios e à paisagem africana vai ser depois espelhada em inúmeros temas seus. Mas outra paisagem, a social, marcada na altura pelo apartheid também dará forma e moldará a sua consciência e força interior.
Aveiro, cidade natal de José Afonso dos Santos volta a acolhe-lo depois de 1937, ano em que passa a viver com os seus tios maternos. Mas em 1938 acaba por vir para Belmonte, residir com um tio paterno e presidente da câmara municipal na altura, depois de uma breve visita aos seus pais que por essa altura residiam em Lourenço Marques, actual Maputo, Moçambique.
Foi na vila beirã, berço de Cabral que este seu “tio Filomeno” o “obriga” a viver nas regras salazaristas. Zeca completa o ensino primário e como “prenda” o tio acaba por inscrevê-lo na Mocidade Portuguesa. O cantor de Abril há-de confessa, já depois, que aquele foi o ano mais desgraçado da sua vida.
Em 1940 ruma a Coimbra e é na cidade dos estudantes que começa a cantar. Primeiro destaca-se nos fados que canta no Liceu D. João III. Talvez seja nessa altura que ganha também aquela veia lírica e tradicional que está presente nos seus temas. “Zeca” é, para além do cantor das letras repletas de mensagens, também um senhor do lirismo.
Em 1958 começa como professor de Francês e de História na Escola Comercial e Industrial de Alcobaça. Em 1964 passa a exercer funções de professor em Moçambique. Foi já nesse país do continente africano que começou por ajudar a espalhar as políticas e ideias anticolonialistas. Atitude que lhe vai trazer problemas com a polícia política, que acaba por detê-lo várias vezes. Setúbal é a cidade que recebe “Zeca”, o professor, no seu regresso à pátria-mãe. Expulso do ensino pelos seus problemas com o regime fascista acaba por dar explicações e grava o seu primeiro álbum “Baladas e Canções”.
“Zeca Afonso”, o rosto musical da resistência começa a ganhar forma e cada vez mais importância. Entre 1967 e 1970, mantém contactos com o Partido Comunista Português e com a Liga de União e de Acção Revolucionária (LUAR). É presença obrigatória, em 1969, no I Encontro “Chanson Portugaise de Combat”, em Paris e grava o seu LP “Cantares de Andarilho”, pelo qual recebe o Prémio da Casa da Imprensa para Melhor Disco do Ano e Melhor Interpretação.
Como se torna cada vez mais um alvo da censura salazarista, “Zeca” passa a ser conhecido nos jornais através do anagrama “Esof Osnofa”.
O ano de 1971 vê chegar “Cantigas de Maio”, álbum que apresenta “Grândola Vila Morena”, um dos temas mais conhecidos do cantor. No seguimento José Afonso lança novo LP, “Eu vou ser como a toupeira” e em 1973 apresenta novo trabalho, intitulado “Venham Mais Cinco”, ano em que canta no III Congresso da Oposição Democrática.
Já depois de Abril de 1974, o homem que fez da canção um meio superior de intervenção continua a cantar. “Coro dos Tribunais” é o nome do LP que se segue, assim como uma forte admiração pelo Processo de Revolução em Curso (PREC), “o PREC, o nunca desmentido PREC, o sempre assumido PREC”, como imortalizou na sua intervenção, em 1983, nos Coliseus de Lisboa e do Porto. Por esta altura já “Zeca” se encontrava doente. É também nesse ano que o Estado português o distingue com a Ordem da Liberdade, distinção que “o homem, o músico, o Zeca” acaba por recusar. Onze anos mais tarde, em 1994, o Estado volta a contactar a esposa de José Afonso para, a título póstumo, atribuir a mesma distinção, mas a esposa volta a responder da mesma forma que o cantor tinha feito antes.
Em 1985, “Zeca” edita o seu último trabalho “Galinhas do Mato”.
Em Fevereiro de 1987, José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos acaba por falecer vítima de esclerose lateral amiotrófica, no Hospital de Setúbal.
Zeca foi sempre uma figura incontornável da música e da revolução portuguesas e mesmo no estrangeiro, onde residiu e gravou parte dos seus trabalhos – Londres, Paris, Madrid – esteve sempre de olhos postos no País que era o seu. A carga sentimental, a força da mensagem e a sua voz emprestaram às cantigas que interpretava, carregadas de lirismo, uma força brutal contra o regime fascista e contra as desigualdades sociais que se registavam em território português, mesmo depois da “Revolução dos Cravos”. Utilizou a música como arma, deu à canção um peso e um valor social e cultural como até ali ninguém tinha conseguido.

Por tudo, um abraço para o amigo Zeca






Data de publicação: 2007-02-27 00:00:00
Voltar à Página principal

2006 © Labcom - Laboratório de comunicação e conteúdos online, UBI - Universidade da Beira Interior