Voltar à Página da edicao n. 368 de 2007-02-20
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Director: António Fidalgo Directores-adjuntos: Anabela Gradim e João Canavilhas
 

O “horror lusitanorum” da FCT

> António Fidalgo

A Fundação para a Ciência e Tecnologia privilegia claramente os cientistas estrangeiros como avaliadores dos projectos de investigação que lhe são submetidos. Uma consulta à lista dos actuais 18 painéis de avaliação mostra que há 84 avaliadores estrangeiros e apenas 7 portugueses, e destes a maioria, se não a totalidade, trabalha no estrangeiro. Em 12 painéis não há nenhum português.

Não será isto um escândalo, um organismo público pagar com dinheiros públicos, uma avaliação estrangeira de nacionais? Uma coisa é incluir estrangeiros num processo de avaliação nacional, outra coisa muito diferente é entregar pura e simplesmente a avaliação a estrangeiros. Poderia ser só parolice ou deslumbramento, o que acaba por vir dar ao mesmo, mas é muito mais grave que isso. É que a tarefa de avaliação é hoje uma componente integrante da vida académica e científica e ser a própria Fundação para a Ciência a eliminar os cientistas nacionais de tal tarefa lesa interesses nacionais e configura um atentado à dignidade do Estado. Pagos pelo governo português, cientistas estrangeiros colocarão no seu currículo a sua actividade de avaliadores de projectos científicos num outro país que não o deles, e quando os cientistas nacionais concorrerem a cargos ou a projectos de organismos internacionais, esses colegas levar-lhes-ão a palma pois que foram seus avaliadores em Portugal. Inacreditável, não é? Tão inacreditável que não há nenhum outro país no mundo onde se passe o mesmo.

Poderia tentar justificar-se tal opção em nome de uma isenção e objectividade específica de “juízes de fora”. Mas a análise de um caso, o painel de Ciências da Comunicação, mostra que a FCT confunde isenção de um júri de avaliação com o desconhecimento que esse júri tem do que vai avaliar. O actual júri é composto de 5 franceses. O anterior júri, presidido por um inglês, incluía ainda um holandês e um flamengo. Nenhum destes dominava o português, falado ou escrito, língua em que se encontra quase toda a produção científica portuguesa. Lembro-me de que na defesa dos projectos perante esse painel, numa sessão pública realizada pela FCT no Hotel Tivoli, uma candidata portuguesa que não falava inglês fez questão em ler um texto que preparara em francês. O presidente do painel retorquiu que tinha sido a FCT a estabelecer o inglês como língua única de discussão. A situação não podia ser mais confrangedora, a proponente acabou por ler o texto em francês perante o silêncio e a impassibilidade dos membros do painel a que não se poderia seguir qualquer pergunta ou resposta.

Agora temos um painel apenas de francófonos. Não há espanhóis, não há ingleses, italianos, e muito menos portugueses. Também dos membros do actual painel nenhum deles entende o português, falado ou escrito. Trocam-se todos os membros de um painel em nome do quê? Quem propôs tais nomes? O presidente do painel escolhe quem quer, mesmo um Maître de Conférences? Será para lhe enriquecer o currículo e chegar a professor?

Mas é claro que não se pode exigir à FCT o que o próprio Ministro da tutela demonstrou não ter, compreensão para encarar a ciência como questão de soberania. No programa televisivo Prós e Contras de 27 de Novembro de 2006 sobre o Futuro do Ensino Superior em Portugal, um dos momentos mais penosos foi quando o Ministro Mariano Gago mostrou não ter entendido as observações do Prof. Adriano Moreira 1) “de que as despesas com o ensino e a investigação são despesas de soberania” e 2) de que “qualquer avaliação internacional terá de ter obrigatoriamente elementos nacionais a fim de contextualizar a acção”, e continuou, levianamente, a falar de Portugal como país periférico.

A avaliação da ciência é também uma questão de cidadania. Quem é avaliado tem o direito e o dever de se pronunciar sobre a avaliação e os avaliadores, que não podem estar acima da crítica. Os avaliadores estrangeiros, sendo estrangeiros, fazem a avaliação, mas não respondem por ela. Como Pilatos, romano entre judeus, podem lavar as mãos sobre a avaliação que fizeram e regressar aos países de origem. Justificam com uma ou duas linhas (literalmente, e afirmo-o com provas) as suas avaliações, mas não respondem por elas, e a única consequência é verem ou não verem os contratos renovados. Os avaliadores nacionais ficam aqui, dão a cara e respondem pela sua avaliação, e é nesse diálogo agonístico entre avaliados e avaliadores que se faz também ciência e se exerce a cidadania.


Data de publicação: 2007-02-20 00:00:00
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