Estatuto Editorial | Editorial | Equipa | O Urbi Errou | Contacto | Arquivo | Edição nº. 358 de 2006-12-12 |
O Governo (e bem) apresentou, no devido tempo, um programa de simplificação da burocracia da Administração Pública com o nome de Simplex. Não haverá português que um dia não tenha esbarrado com problemas burocráticos para resolver questões comezinhas da sua vida de cidadão.
O Simplex não é ainda o que se deseja para facilitar a nossa vida face ao Estado mas já foi um passo importante. Muito caminho há ainda para andar. E em que não pode haver barreiras para eliminar papéis desnecessários e processos complicados.
Quem deseja complicar a aprendizagem da língua portuguesa nas escolas básicas e secundárias é o Ministério da Educação. Ao que se vai sabendo, aqui dá-se o contrário do Simplex.
De forma discreta e sem ninguém dar conta, durante o Governo de Santana Lopes, na véspera de Natal de há dois anos é publicado um decreto, até com erros ortográficos, no Diário da República, a Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário (TLEBS). Em Novembro do ano passado, a ministra Maria de Lurdes Rodrigues confirma que nesse ano lectivo -2005/2006- a TLEBS seria adoptada como experiência pedagógica em algumas escolas. O objectivo final é adoptar a TLEBS a partir de 2008/2009.
Em Outubro último, escritores de vários quadrantes e professores universitários de renome começaram a zurzir na TLEBS. Os autores desta nova terminologia argumentam que se trata da actualização e valorização da gramática pouco ensinada nas escolas.
Que se passou, afinal? Um grupo de linguistas universitários propôs novos códigos para aprendizagem da língua onde abundam os preciosismos. Em contraposição, especialistas argumentam que os alunos vão ter graves problemas de aprendizagem.
Nomes sonantes como José Saramago, Graça Moura, Prado Coelho, Maria Alzira Seixo e Morais Barbosa lançaram um abaixo-assinado para a suspensão imediata da TLEBS. O que não deixa de ser sintomático do mau-estar criado entre vultos da literatura portuguesa.
Não é necessário ser muito inteligente para ver que a iniciativa dos linguistas complica ainda mais a aprendizagem do português já de si difícil. E, se uma língua existe para facilitar a comunicação entre os seus falantes, então a TLEBS produz efeitos contrários.
Não venham os autores desta nova terminologia dizer que se trata apenas da actualização da gramática há muito tempo sem mudanças. E que interessa mudar só por mudar se a única novidade é complicar o próprio acto de comunicar?
Vejamos alguns exemplos que mostram incongruências de clareza meridiana.
Até agora, a palavra “cão” era um substantivo masculino singular. Se a TLEBS for aprovada, passa a ser “um nome comum contável, animado e não humano”. Outro exemplo: “Vem para aqui”. Aqui é um advérbio de lugar. Agora é um “advérbio adjunto de lugar”. E ainda: “A cobra é bonita”. Cobra era um substantivo comum feminino do singular. Agora é “um nome comum, concreto, não humano, animado, epiceno do singular”.
Para quê tantos preciosismos? Isso é matéria de especialistas de linguística, não de alunos para a aprender a língua portuguesa.
É caso para dizer como o Diácono dos Remédios, “não havia necessidade disso”.
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