Estatuto Editorial | Editorial | Equipa | O Urbi Errou | Contacto | Arquivo | Edição nº. 357 de 2006-12-05 |
O debate televisivo “Prós e Contras” do dia 27 de Novembro sobre o futuro do ensino superior em Portugal, e onde os protagonistas maiores foram o Ministro Mariano Gago e o Reitor da Universidade de Lisboa, Sampaio da Nóvoa, foi elucidativo da presente situação desse ensino. É uma situação de forte tensão e mesmo de mal estar entre o Governo que cortou efectivamente 15 por cento no financiamento do ensino superior no Orçamento de Estado de 2007 e as universidades que têm encargos fixos de pessoal mais elevados que as transferências estatais. Mariano Gago defende que as universidades têm a obrigação de partilhar o esforço nacional de redução do défice orçamental através de uma racionalização, nomeadamente um corte nos desperdícios, e os reitores reivindicam que nenhum outro sector do Estado tem vivido sempre dentro do estipulado, nunca acumulando défices crónicos como os que se verificam, por exemplo, no sector da saúde ou do sector empresarial público. Além disso, e ainda segundo Sampaio da Nóvoa, o Governo não dotou as universidades com os instrumentos políticos necessários à racionalização da gestão universitária, nomeadamente um novo estatuto da carreira docente.
O problema crucial deste debate é certamente o da autonomia das universidades face ao Governo que as regulamenta e financia. O mesmo Governo que faz um corte de 15 por cento no financiamento das universidades é o mesmo Governo que determina o número clausus de admissões nos diferentes cursos e que determina um valor mínimo e um máximo do montante das propinas. Há um espartilho governamental da autonomia universitária. Ora é preciso definir que modelo de instituições universitárias se pretende em Portugal, se um modelo europeu de cariz social onde o Governo assume uma função mais directa da gestão das mesmas (na Alemanha os catedráticos são de nomeação ministerial!), se um modelo americano de cariz liberal onde propinas estudantis são as fontes principais do financiamento do ensino. Mas justamente aqui está o busílis da questão: o modelo social europeu, assente numa elevada fiscalidade, exige um elevado financiamento público do ensino, ao passo que o modelo americano, graças á baixa fiscalidade, recorre ao financiamento directo pelos alunos. Ora em Portugal temos uma fiscalidade elevada e um baixo financiamento estatal. Ou seja, a tal racionalização de custos tem de ser feita a montante na máquina do Estado, na administração central, e aumentar o financiamento das universidades, de modo a acertarmos o passo com os países europeus mais próximos.
Tentar compor ou remediar o problema do subfinanciamento do ensino superior com um anunciado aumento significativo das verbas para a ciência e tecnologia é misturar coisas diferentes, ainda que intimamente associadas. O financiamento da ciência, em particular da ciência de ponta, é tão caro quanto elitista, só acessível a poucos; mas a qualidade do ensino superior tem de ser abrangente, extensível a todos. Retirar verbas de um lado e colocá-las no outro, como o que se verifica no caso em presença, pode ter até efeitos contraproducentes, nomeadamente à fraude científica, como aconteceu na Coreia, e a uma ciência faz de conta, subsídio-dependente. Por outro lado, demorou anos a entender em Portugal que nem todo o investimento é bom investimento, seria agora bom que se entendesse que o termo ciência tem múltiplas significações e que nem tudo a que se chama ciência merece o financiamento público. Com efeito, só uma população com uma elevada formação académica tem a possibilidade de exercer o dever e o direito cívicos de opinião e decisão sobre matérias de financiamento à ciência. Como o estipula a Lei da Autonomia das Universidades a missão destas é a formação humana, cultural, científica e tecnológica (por esta ordem!) dos que nela estudam. Não se invertam os termos.
As universidades portuguesas precisam de estabilidade e de continuidade, não de revoluções ou cortes radicais. O tempo universitário tem como unidade ideal de tempo o século. Não se queira pois fazer Pavia num dia.
Por fim, Mariano Gago não tem razão quando afirma que a crise actual do ensino superior deriva do facto de sermos um país pequeno e periférico. Se as coisas são difíceis por sermos um país pequeno, então que problemas muito maiores não teríamos de enfrentar se Portugal fosse um país grande! Quanto à qualificação de periféricos, Adriano Moreira corrigiu brilhantemente o Ministro no citado debate. Pena é que este não entendesse e continuasse a insistir na qualificação de Portugal como país periférico.
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