Voltar à Página Principal
Jornal Online da UBI, da Covilhã, da Região e do Resto
Director: António Fidalgo Directores-adjuntos: Anabela Gradim e João Canavilhas
 

Português, Matemática e Física

> António Fidalgo

Seguido à letra, o recente despacho do Ministério da Ciência e do Ensino Superior que regula a fixação das vagas de ingresso no ensino superior determina que a UBI não abra no próximo ano lectivo os Cursos de Português, de Matemática e de Físico-Química, entre outros. O despacho ministerial estipula que não serão admitidos, no ano lectivo de 2006-2007, novos alunos nos cursos que cumulativamente não tiveram 20 alunos em primeira inscrição o ano passado ou 40 nos últimos 3 anos. Em nome da racionalização da oferta educativa no ensino superior, cometem-se aberrações científicas, académicas, culturais e sociais. Passa-se a explicar porquê.

À primeira vista trata-se de uma medida sensata. Se não há candidatos para um curso há que encerrar esse curso. Contudo, a lógica simplista e mercantil da oferta e da pro-cura não se aplica à formação universitária, seja no campo científico ou cultural. Por detrás da sensatez dos números esconde-se, neste caso, uma tremenda aberração académica; tal como o alto rendimento do investimento em selos assentava sobre uma aberração económica, de esquema piramidal. É que não pode haver formação científica e tecnológica séria, se não assentar nas ciências fundamentais. É academicamente inadmissível que alunos se licenciem lendo a soletrar, incapazes de escrever sem erros ortográficos e de uma forma gramaticalmente correcta, e os licenciados das áreas tecnológicas não tenham uma sólida formação em matemática e física.

Poder-se-ia contrapor que a inexistência de cursos de Português, Matemática e Física numa universidade não significaria eo ipso um deficiência de formação, nessas áreas, dos demais licenciados. É verdade que não o significa necessariamente, mas seria altamente improvável. Onde não se ensinam as ciências fundamentais em cursos específicos, o seu ensino em outros cursos não poderá ser de primeira água. Ou seja, os cursos de matemática, de física, de português são cursos estruturantes de uma uni-versidade e não se pode conceber uma universidade sem esses cursos. É um princípio básico da qualidade e da dignidade de qualquer universidade. Claro que se podem fechar cursos de uma engenharia particular, do papel ou de produção industrial, ou de uma qualquer área particular das ciências sociais ou das letras, que daí não sofre danos a essência da universidade. Mas fechar os cursos de português e de matemática numa universidade?! Caso para perguntar: que raio de ideia de universidade tem o nosso chamado Ministério da Ciência?

O despacho ministerial tem toda a razão quando pretende combater a “segmentação injustificada de formações que conduziram a ofertas formativas demasiado estreitas e ao desperdício de recursos”. Mas os cursos atrás referidos, mesmo que de procura residual, são cursos de formação básica, o mais cientificamente amplos, cursos por natureza necessários e imprescindíveis ao país, cientifica, cultural e socialmente. Convém lembrar aqui que o Ministério do Ensino Superior foi o principal responsável pela fragmentação de cursos de licenciatura em Portugal, permitindo e caucionando cursos de natureza e designação abstrusas, permitindo que nos ensinos básico e secundário leccionassem português, matemática e física professores com as licenciaturas mais diversas e distintas das de Português, Matemática e Física, com licenciados em Direito a leccionar Português e licenciados em Gestão e em qualquer Engenharia a leccionar Matemática. A baixíssima procura dos cursos de ciências exactas e fundamentais decorre também das políticas erradíssimas de ensino, e em particular da for-mação de professores, que foram aplicadas em Portugal nas últimas décadas.

Um erro não explica outro erro. As medidas erradas levadas a cabo pelos Ministérios da Educação e do Ensino Superior aquando da expansão do ensino em Portugal não podem ser combatidas com medidas tão ou mais erradas, mesmo nocivas, como as que o despacho referido pretende aplicar.

Letras e Ciências sempre constituíram o cerne académico de uma universidade. O que o Ministério da Tecnologia de José Mariano Gago agora intenta, ainda que incons-cientemente – dê-se-lhe o benefício da dúvida, é politecnizar as universidades. Uma formação científica mais débil, uma formação académica mais profissionalizante e mais curta, que para estudante português basta.
E, claro que a actual campanha governamental contra os professores em muito contri-bui para a fraca procura dos cursos referidos. Temos a sina de repetir dez anos depois os erros dos países do norte da Europa. Lá abundam hoje os profissionais da saúde e faltam professores, em Portugal teremos esse cenário daqui a meia dúzia de anos. A elevadíssima procura dos cursos superiores nas áreas da saúde não é normal e deixa facilmente antever um excesso de profissionais de saúde daqui a alguns anos. Tere-mos então falta de professores. Nessa altura teremos outros responsáveis governamentais, mas as universidades serão as mesmas. Por isso, as universidades devem tomar as suas próprias decisões à luz do interesse nacional.

> dicalio @ clix . pt em 2006-07-06 14:55:01
Se as Universidades tivessem tomado posição idêntica a esta ao longo das asneiras que se foram implantando entre nós, decerto seria hoje bem menos dramática a situação do nosso ensino da Língua Portuguesa. Mas as Universidades calaram-se - e, comodamente, consentiram na degradação hoje instalada. Mais ainda:foram mesmo as Universidades a causa maior da ignorância que grassa no nosso ensino! Foram elas que lançaram no ensino professores de Português que mal sabem ler, que ignoram as mais elementares regras de acentuação, que acham complicadíssima a divisão de orações - e que tratam os Lusíadas como uma penitência da profissão. Bom seria que o grito deste editorial encontrasse eco noutras Universidades - e que esse eco engrossasse de tal modo que se tornasse um tufão aos ouvidos dos nossos responsáveis. Mas as Universidades também algo (muito!) terão que corrigir... E repito: não podemos esquecer que foi desse lado que vieram os ventos de ignorância da Língua Poprtuguesa que hoje sopram pela grande maioria das nossas Escolas...


Data de publicação: 2006-07-04 00:00:55
Voltar à Página principal

2006 © Labcom - Laboratório de comunicação e conteúdos online, UBI - Universidade da Beira Interior