Anabela Gradim

Qualificação dos portugueses, qualificação dos professores


O XVII Governo Constitucional assumiu, como desígnio, entre outros, a «batalha» pela formação e qualificação dos portugueses, e o combate ao insucesso e abandono escolar. Como meio para atingir tal desígnio, anunciou-se a diversificação da oferta educativa, nomeadamente pela criação de Cursos Técnico-Profissionais na Escola Pública, um tipo de formação que hoje se encontra praticamente confinada às Escolas Profissionais, a maioria das quais entidades privadas com financiamento público.

Tanto o desígnio, como os meios propostos, são medidas estimáveis e que apontam no bom caminho. Mas é evidente que a qualificação dos portugueses segue a par com a qualificação dos seus professores, que são quem no terreno desenvolve e implanta tais medidas.

Neste campo, o da qualificação do corpo docente das escolas, há duas medidas muito positivas contidas na proposta de revisão do ECD do Ensino Básico e Secundário, e outras duas que classificaria de curiosas, pois deviam fazer-nos reflectir – sobre meios, e sobre fins.

Entre os aspectos positivos contam-se, no artº 22 da referida proposta, a obrigatoriedade de os candidatos à docência obterem «aprovação em prova nacional de avaliação de conhecimentos e competências», seguindo uma proposta de que em Portugal o arauto mais conhecido terá sido Nuno Crato.

Outro aspecto positivo contido na proposta de diploma é que uma percentagem elevada da formação contínua – que passa a ser obrigatória num mínimo de 25 horas anuais – seja relevante para a área de leccionação do docente que a ela se submete. Evitar-se-ão, suponho, sucessos retumbantes como o foi uma célebre acção de formação promovida por um sindicato, que versava o feng-shui na sala de aula. Em vez de cristaloterapia, que os professores de Química estudem os cristais, e os professores de Matemática os fractais, parece-me de elementar bom senso.

Mais problemática poderá ser a desvalorização da posse dos graus de Mestre e Doutor pelos docentes do Secundário, inscrita no novo ECD. Com efeito, no anterior estatuto, a aquisição daqueles graus conferia, respectivamente, uma bonificação de 4 e 6 anos, não acumuláveis, com efeitos para a progressão na carreira. Já na proposta do ministério, os Mestrados tornam-se irrelevantes para essa progressão – o que se compreende à luz das alterações trazidas pelo processo de Bolonha e da reestruturação daquele grau. No entanto, seria extremamente simples acautelar os interesses dos candidatos que já detêm aquele grau no modelo de 5 + 2, ou 5 + 4 anos de estudo; bem como os interesses de todos quantos se encontram neste momento a frequentar mestrados pré-Bolonha. É que ninguém pode ser motivado para investir na sua formação e qualificação, para ver depois e sem explicações essas expectativas defraudadas.

Na mesma linha segue a desvalorização do grau de Doutor. Se antes conferia uma bonificação de 6 anos, agora apenas «confere direito à redução de três anos no tempo de serviço legalmente exigido para acesso à categoria de professor titular». Se a isto acrescentarmos que a categoria de «titular» vai estar sujeita a quotas para concurso, e que os docentes actualmente nos últimos escalões deverão ser integrados nela, resulta claro que o benefício pela «aquisição de outras habilitações e capacitações» - mormente uma formação que é dispendiosa e muito exigente - pode não passar mesmo de um benefício virtual, que nunca chegue a actualizar-se.

Para um ministério que diz apostar na avaliação e qualificação, e onde se tem vivido, a julgar pelo que passa para a opinião pública, algum clima de tensão entre tutela e tutelados, esta desvalorização dos Mestrados e, sobretudo, dos Doutoramentos, relativamente à ante qua , não é certamente uma das medidas que vá ser bandeira na contestação que se avizinha ao ECD por sindicatos ou docentes – e isso devia fazer-nos pensar.