António Fidalgo
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A falácia da visibilidade
Na sociedade mediatizada em que vivemos o que conta é aparecer nos órgãos de comunicação. Quanto mais se aparecer tanto melhor. E isso independentemente de ser sob uma perspectiva positiva ou negativa; aliás seguindo o mote – sabe-se lá se irónico ou cínico! – de que o importante é que falem, nem que seja para dizer bem. Significa isto que a visibilidade mediática ganhou um valor em si mesma.
A prova diária de que a visibilidade mediática se tornou num dos primados da vida pública encontra-se no facto de a cobertura noticiosa ser um factor essencial à planificação, organização e alcance de qualquer evento. O fecho de uma fábrica, o encerramento de uma escola, os protestos daí decorrentes, só atingem a percepção e a atenção públicas e obtêm alcance político se houver uma cobertura pelos órgãos de comunicação, ou seja, se se tornarem mediaticamente visíveis.
As consequências do primado da visibilidade são vastas e profundas. Muito do que se faz hoje, muito do que se é hoje, é em função da sua presença mediática, real ou putativa, e não por um valor intrínseco do acto ou do ente. Assim temos personagens que vivem de e para a sua visibilidade. Não é que desempenhem um papel relevante, económico, social, cultural, mas são personagens mediáticas e a isso se reduzem. No momento em que os focos das câmaras deixam de incidir sobre elas, esvaem-se, tornam-se completamente insignificantes. Quanto aos acontecimentos passa-se algo de parecido. Há ocorrências que se produzem única e simplesmente em vista à sua passagem nos noticiários televisivos.
A falácia da visibilidade reside no facto de que a aparência é tudo e de a realidade se reduzir a nada. A máxima idealista “esse est percipi” converte-se na máxima mediática de que o real é o noticiado. Obviamente que a mediatização não significa a superação da principal e básica distinção entre ser e aparecer. Pode o aparecer revestir as formas mediáticas de palavras ou imagens de natureza pretensamente objectiva, mas não deixará de haver essa distinção primeira entre “ser e aparecer” com que a filosofia e o pensamento ocidentais se iniciam, e aqui é de optar pelo “ser” mesmo nu e cru sem a mediatização da publicitação. A aparência esfuma-se, esvai-se, evapora-se. Não sem razão a cultura cristã sempre privilegiou a humildade, a sobriedade, o silêncio, a obscuridade, e condenou a ostentação. Se hoje as modas vão no sentido de um desejo de visibilidade, de uma chamada a todo o custo da atenção dos outros, tal não deve obliterar a verdade de que a realidade real tem a espessura do que permanece, ao passo que a visibilidade reduzida a si é apenas uma miragem, um vislumbre, um momento passageiro, que passa e não se queda.
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