António Fidalgo

Política de ciência em Portugal


Que ciência se quer para Portugal? A questão é tanto mais pertinente quanto é intenção governamental aumentar substancialmente as verbas destinadas à ciência, procurando atingir um objectivo antigo (pelo menos desde os governos de Cavaco Silva) de dedicar um 1% do PIB ao sector de I&D até ao fim desta legislatura. Para o ano de 2007 o Primeiro-Ministro Sócrates acaba de anunciar um aumento considerável de 250 milhões de euros destinados às áreas de Ciência e Tecnologia.

Há certamente os que pensam que a pergunta não faz sentido, que não se pode mesmo perguntar “que ciência”, porque para eles há apenas uma ciência. Essa ciência é a que se pratica e faz nas prestigiadas universidades americanas com que o governo português celebrou recentemente acordos de cooperação. O objectivo é então aumentar a internacionalização da ciência portuguesa, melhorar o lugar de Portugal nos diferentes rankings que medem internacionalmente a produção científica (patentes, publicações, citações). O seu ideal seria mesmo a integração da comunidade científica nacional, com os nossos académicos publicando de preferência em inglês nas mais conceituadas revistas internacionais.

Uma visão destas, a de uma só ciência, que se expressa hoje quase exclusivamente em inglês, é a que guia a actuação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. É uma visão onde os conceitos de soberania científica, de primado do vernáculo, fazem pouco sentido.

Contudo a ciência é obra humana e, como tal, tem uma história. É um tipo de conhecimento entre outros, e não o único. Ora é esta relativização ou contextualização que mostra que o conhecimento científico é de cariz muito diverso, que há ciências e ciências, e que a pergunta sobre “que ciência” faz todo o sentido. Em quinhentos os académicos e cientistas portugueses publicavam na língua franca da época, o latim, e estavam entre os melhores dos seus tempos. Eram à altura os mais internacionais. Leibniz refere-se à excelência dos conimbricenses. No entanto, o que se seguiu foi o despontar de um novo paradigma científico por essa Europa fora, em que as línguas vernáculas se sobrepuseram ao latim. A excelência científica portuguesa de então foi um triunfo de Pirro, esgotou-se e definhou.

Apregoa-se em Portugal uma visão de ciência como causa e meio de progresso e de competitividade. Será que os nossos políticos alguma vez pensaram que a ciência é muito mais o resultado e uma consequência do que uma causa e um meio? Recomenda-se-lhes a leitura de Ortega e Gasset. Mas se não tiverem tempo para ler, pensem que a actual predominância científica americana é o resultado de um poderio económico anterior. Até à Segunda Guerra Mundial o relevo científico dos Estados Unidos era mínimo comparado com o da Europa, mas já desde o início do Século XX eram a potência que marcou os destinos do Velho Continente e do mundo, determinando a vitória nos grandes conflitos. Se país houve que mais tivesse investido e jogado na ciência como instrumento de poderio foi a União Soviética. Os melhores cientistas não impediram porém o seu colapso. E foram os primeiros no espaço; e desenvolveram dos melhores mísseis e das bombas mais terríveis.

Precisamos de uma política científica em Portugal, sim. Porque sem ela os cientistas que formarmos emigrarão para outros países com melhores condições económicas e sociais. Precisamos de uma política científica que aposte forte no mundo lusófono, sobretudo no tremendo potencial demográfico do Brasil. Bastaria trazer uma pequena fracção de estudantes brasileiros, que lutam por uma das poucas vagas no seu sistema universitário, para resolvermos o problema das milhares e milhares de vagas que ficam por preencher no ensino superior em Portugal. Precisamos de uma política científica que obrigue toda a investigação financiada pela FCT a ficar disponível online para consulta pelas comunidades lusófonas de África e da América, e de preferência em português já que o inglês no Brasil está muito menos difundido que em Portugal.

Que ciência queremos então para Portugal? Uma ciência que não seja uma sucursal do MIT, mas o resultado de uma população bem preparada nos ensinos básico, secundário e superior; uma ciência que viva do valor dado ao conhecimento em si. Nada pior do que cientistas a escreverem papers em “ciencinglês”, ao jeito do airport english , que nunca leram os clássicos da língua portuguesa e que são incapazes de escrever uma página em bom português. Se não houver uma cultura de base, se a educação em Portugal não apostar em primeiro lugar numa formação humana e cultural, então estaremos a construir um sistema científico na areia.