José Geraldes

Atentado à liberdade
e conselheiros para a violência doméstica



A liberdade de imprensa em Portugal está a correr sérios perigos. E, paradoxo dos paradoxos, por iniciativa do Governo que é socialista com a bênção do PSD ou seja do partido que alterna no poder.
A operação de assalto aos computadores de dois jornalistas do jornal 24 Horas legitimada por decisão de um juiz causa calafrios e prenuncia o pior. O pretexto de investigação, no processo da Casa Pia, dos nomes das listagens telefónicas em que figuravam altas personalidades do Estado - o célebre Envelope 9 - põe em causa a liberdade de informar.
Mata-se o mensageiro que deu a notícia e desculpa-se o grande erro do Ministério Público ao pedir a listagem, pela primeira vez, em suporte digital sem especificar os nomes que desejava. A investigação acaba por ser sobre a imprensa e não sobre as razões pelas quais a listagem foi parar ao processo da Casa Pia. A investigação está a ser feita ao contrário.
Mas há mais. A discussão sobre a reforma do Código Penal anuncia um novo crime para os jornalistas: “O crime de perigo”. Se um trabalho de investigação jornalística prejudicar uma investigação criminal, há “crime de perigo”. Já se vê a mordaça que se impõe ao jornalismo de investigação. Ou seja, regressamos ao período áureo da censura do Estado Novo.
O direito de informar consagrado na Constituição e documentos internacionais vai para o lixo.
A nova Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ainda avança mais um patamar contra a liberdade de imprensa. Leia-se o artigo 53: “A ERC pode proceder a averiguações e exames em qualquer entidade ou local, no quadro da prossecução das atribuições que lhe estão cometidas, cabendo aos operadores de comunicação social alvo de supervisão facultar o acesso a todos os meios necessários para o efeito”. Está tudo claro.
E aquela norma de “proceder à identificação dos poderes de influência sobre a opinião pública, na perspectiva da defesa do pluralismo e da diversidade, podendo adoptar as medidas necessárias à sua salvaguarda”?
Assim vamos ter uma entidade-polícia a zelar pelo pluralismo. Um órgão de informação que adquira audiências de influência, já sabe o garrote que o espera.
Cabe aqui citar Sócrates no seu julgamento: “Se prometessem perdoar-me desta vez na condição de eu não voltar a dizer o que penso, dir-vos-ia: homens de Atenas, devo obedecer aos deuses e não a vós”.
A violência doméstica volta a estar em foco. Um decreto-lei aprovado, no passado dia 2 de Março, pelo Conselho de Ministros, cria a figura do conselheiro local para a apoiar e atender mulheres vítimas da violência doméstica. A função destes conselheiros é também recolher informações e fazer trabalho de análise social.
Muito há a esperar destes conselheiros, pois as situações de violência adquirem modalidades diversas. Há dois casos típicos.
O marido, companheiro ou amante que expulsa as vítimas de casa ou, ao contrário, o que controla do exterior as entradas e saídas de casa, como um doidinho, numa atitude de comportamento de verdadeiro psicopata. O objectivo comum é impedir sempre o corte da relação por parte da vítima.
Se a vítima quer o fim da relação, o amante, marido ou companheiro – isto verifica-se mais no segundo caso - enfurece-se como leão acossado ou um demónio assanhado, espumando de raiva. Depois mistura as fúrias com declarações inflamadas de amor, de um sentimentalismo bacoco e ridículo, a revelar uma instabilidade emocional a exigir tratamento psiquiátrico.
Na idade dos 50, a atitude mostra uma personalidade doentia e imatura, sem qualquer consistência. É o que se lê nos livros de psicologia confirmado pela realidade.
O Conselho da Europa, ao definir a violência doméstica, refere a manipulação, a intimidação, a ameaça de vingança, a coacção como meios utilizados pelos agressores para impedir o fim da relação.
Curiosamente, os conselheiros agora anunciados vão funcionar nos Conselhos Locais de Acção Social que existem nas Câmaras Municipais.