António Fidalgo
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A crise da escrita
Fala-se frequentemente da
crise da leitura. Professores queixam-se de que os alunos não
lêem, livrarias encerram e bibliotecas tornam-se centros de
convívio. A tiragem numa edição de livros é
cada vez menor e a taxa de leitura de jornais diminui continuamente.
A razão da crise reside sem dúvida no surgimento dos
meios áudio e vídeo, rádio, televisão e
telefone. Muito simplesmente as pessoas não lêem porque
preferem ver televisão ou porque preferem um filme a um livro.
Fala-se da crise da
leitura, mas essa é acompanhada da crise da escrita.
Antigamente as pessoas eram obrigadas a escrever de vez em quando, ao
menos uma carta. Isso era, porém, quando não havia
telefones ou as chamadas eram ainda muito caras. Hoje a comunicação
tornou-se instantânea e a bem dizer ubíqua com os
telemóveis, liquidando a comunicação postal. É
verdade que o correio electrónico e os serviços de
mensagens instantâneas pela Internet promoveram na última
década a escrita, mas os avanços nesta área,
permitindo serviços gratuitos de voz e transmissão de
vídeo, estão por sua vez a diminuir o uso da escrita.
Não obstante a
taxa de analfabetismo ter descido extraordinariamente nas últimas
décadas, de o nível de educação ter
aumentado significativamente, contínua a verificar-se uma
pobreza tremenda quanto á capacidade de escrita. Pegar no
telefone e fazer uma chamada é algo que qualquer pessoa faz
com a maior naturalidade e sem esforço, mas redigir um pequeno
texto, por mais curto que seja, é uma dificuldade que a maior
parte rejeita.
Podemos imaginar uma
sociedade em que desapareça a comunicação
escrita, em que toda a comunicação seja feita oral e
visualmente, por telefones e videofones, e em que as mensagens sejam
gravadas, ouvidas ou vistas a qualquer altura. Mas, o que convém
lembrar é que a escrita é a forma disciplinada do
pensar. O que torna a escrita difícil não é o
desenhar as letras, é o ordenar as palavras, é seguir a
estrutura lógico-gramatical que a escrita impõe. É
verdade que a língua é oral e que é a língua,
e não a sua escrita, a exigir essa estrutura. Mas as
infracções que passam despercebidas ou que se desculpam
na oralidade, tornam-se patentes e insuportáveis na escrita.
Há quem fale, e até quem o faça publicamente na
pele de político ou de personalidade, e não construa
uma frase bem feita. Mas isso seria inaceitável na escrita.
A crise da escrita, a
dificuldade de escrever um texto sentida pela maior parte das
pessoas, incluindo os universitários, é sintoma de uma
crise do pensamento, do pensamento ordenado.
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