José Pires Manso*

Retratos Territoriais do Portugal de Hoje - Apontamentos Avulsos


Vêm estes apontamentos a propósito de uma newsletter enviada recentemente (28/12/2005) pelo INE para divulgação e suporte publicitário à edição dos Anuários Estatísticos Regionais de Portugal.
E o primeiro comentário é para dizer que, para quem está familiarizado com estes temas, o estudo, ou o que dele foi dado a conhecer através da referida newsletter , não traz propriamente surpresas antes confirmações de trajectos por vezes inadequados. Mas vejamos cada um dos aspectos particulares aí referidos.
O segundo comentário é sobre a dispersão da população pelo território português , e para dizer que a dispersão da população por todo o espaço nacional tem vindo, desde há várias décadas, a agudizar-se com os portugueses a render-se aos “atractivos” do litoral em relação ao interior, “atractivos” a que não são alheios a canalização, para essas zonas, da maior parte dos investimentos públicos e privados, e, portanto, a criação na faixa Setúbal-Braga de grande parte das empresas e dos empregos. E contra estes “atractivos” é difícil, de facto, apresentar argumentos, mesmo que se acene com os cada vez mais graves problemas de tráfego (engarrafamentos, acidentes, stress,...) e de criminalidade, para só referir estes dois itens.
Não é por isso surpreendente que esta faixa litoral Setúbal-Braga, pela concentração de infra-estruturas, empresas e empregos, o Algarve, pela concentração turística, e a Madeira, por esta mesma razão e também pela capacidade do seu líder regional em levar recursos nacionais e comunitários para o arquipélago indispensáveis para a criação de empregos, apresentem taxas de concentração e densidades populacionais elevadas.
De registar no interior-centro do país a boa performance alcançada a este nível pelas mini-regiões “metropolitanas” da Covilhã e Viseu, quase um milagre no panorama interior de todo o país, muito desse sucesso sendo devido à localização nestas duas cidades de importantes pólos educacionais, hospitalares, comerciais,... – na Covilhã a Universidade da Beira Interior, Centros Tecnológicos e de Formação (CITEVE, CILAN, CIVEC), o Centro Hospitalar, as superfícies comerciais, o tecido industrial tradicional (têxtil) e outras empresas modernas, que aí se têm instalado, e em Viseu a Universidade Católica, os Institutos PIAGET e Politécnico, o Centro Hospitalar, as grandes superfícies comerciais, e a sede um grande grupo económico, entre outros.
O terceiro comentário ou apontamento diz respeito à taxa de laboração dos habitantes da faixa etária dos 55 aos 64 anos , e para afirmar que o s dados apresentados mostram que 63% dos habitantes da faixa etária dos 55-64 anos da R. Centro ainda estão activos nas suas actividades profissionais, valor que é quase o dobro do verificado nos Açores (37%); aquela percentagem só é aproximada, por baixo (-8%), pelo Algarve (55%); a média nacional fica-se nos 50%, e em Lisboa apenas 45 em cada 100 habitantes estão ainda no activo com aquelas idades. Este valor da R. Centro traduz o perfil agrícola da maior parte dos seus habitantes, a necessidade de trabalhar para sustentar as famílias e para sobreviver, o baixo valor das pensões dos rurais e ainda a pouca abundância de jovens, o que faz com que tenham que ser os mais “entradotes” a continuar a assegurar o sustento das famílias. Acresce ainda que o peso da tercearização – serviços e comércio – da economia e o baixo número de funcionários públicos desta região são inferiores à média nacional, razão pela qual a grande maioria, quando de boa saúde, só se pode reformar aos 65 anos, o que noutras regiões, com muitos funcionários públicos e bancários, entre outros, se faz aos 50 anos e mesmo antes dessa idade.
O quarto apontamento é sobre a educação , e em particular sobre a quebra do número de alunos no ensino superior , e para afirmar que a quebra verificada este ano neste tipo de ensino era também um fenómeno previsível porquanto ela já se tinha feito anunciar anteriormente, e há vários anos, primeiro no ensino primário e depois no ensino secundário. O facto de haver um menor número de alunos candidatos ao ensino superior leva a que haja menor pressão e procura sobre as universidades e os institutos politécnicos, públicos e privados, mas sobretudo sobre estes últimos (privados), estabelecimentos que a par de cobrarem propinas muito mais caras ministram ainda um ensino geralmente considerado de menor qualidade. Esta situação não ocorre apenas nas universidades e institutos privados, pois está generalizada a todos os politécnicos do país, particularmente aos da província, tendo também que ver com a pouca densidade populacional e com a consequente menor oferta de alunos da respectiva faixa etária (como das outras, aliás), destas regiões. A estes elementos há ainda a acrescentar outro dado importante que é a elevada taxa de abandono prematuro da escola em Portugal por parte dos jovens dos 18 aos 24 anos (43% ao ano de 1992 a 2005), quando em Espanha, na Grécia e na Irlanda ela é, respectivamente, de 32%, 19% e 13%.
O quinto comentário prende-se com o tema sociedade da informação e para dizer que a este nível da sociedade da informação e comunicação muito há ainda a fazer em Portugal, pois a este sector, em 2004, só era destinada a verba de 2% do PIB quando, em média, na União Europeia já se lhe destinavam 1,5 vezes este valor (3%), ou seja mais 50% do que em Portugal. Contudo, mesmo assim, Portugal está melhor colocado em termos de despesas em novas tecnologias do que a Espanha e a Grécia e praticamente ao mesmo nível da Irlanda. Nesse sentido, os números apresentados (41% de portugueses com computador em casa e 26% com ligação à Internet), apesar de insatisfatórios, são já um sinal de que as coisas estão a mudar para melhor, sobretudo se tivermos em atenção o nível educacional do país, o grau de analfabetismo e de iliteracia que ainda existem entre nós, e o envelhecimento da população, quando comparadas com idênticos indicadores dos países mais desenvolvidos da UE a 25 e outros.
As disparidades regionais verificadas no país – tanto em termos de taxa de computarização como de taxa de ligação à Internet – confirmam o que os outros indicadores atrás comentados já indiciavam: que Lisboa vai a grande distância do resto do país e que todas as outras regiões estão abaixo da média nacional. Os valores apresentados pela Região Centro – em que esta região se insere, para a taxa de ligação à Internet são até talvez um pouco lisonjeiros porquanto só foram superados por Lisboa e, surpreendentemente, pelos Açores, apresentando a Região Centro inclusivamente o mesmo valor da média nacional em 2004.
O sexto comentário prende-se com as Contas Regionais , ou seja, com a repartição da riqueza pelas várias regiões do país , e para afirmar que o indicador PIB per capita nacional reflecte o que já aqui se disse a propósito de outros indicadores. De facto, se a população se tem vindo a radicar na faixa litoral que vai de Setúbal a Braga, passando por Lisboa, Leiria, Aveiro e Porto, é porque é aí que mais se investe em Portugal em termos de infra-estruturas, de criação de empresas e também de criação de postos de trabalho, e, portanto, é aí que se cria mais riqueza cujo indicador por excelência é o PIB per capita. Olhando o mapa publicado pode ver-se que as regiões mais ricas em termos de PIB per capita se prolongam também pelo Algarve – a que não é estranho o grande investimento em hotelaria e turismo – e pelo surpreendente litoral alentejano; contudo os valores desta região poderão ter duas leituras, uma ligada à concentração de algumas grandes empresas na zona de Sines e outra decorrente do facto de a região estar muito desertificada em termos humanos e por isso a riqueza gerada, mesmo sem ser muita, quando dividida por poucos dá valores relativamente elevados. Esta última justificação poderá estar também por detrás dos valores intermédios de capitação do PIB verificados no Norte Alentejano, nalgumas regiões do Ribatejo e inclusivamente na nut Beira Interior Sul (C. Branco). Os razoáveis níveis de rendimento da Madeira (sobretudo) mas também dos Açores, com capitações elevadas ou médias, explicam-se pela concentração dos investimentos turísticos na Madeira e pela grande canalização de recursos públicos, nacionais ou comunitários, para as duas regiões autónomas, fruto do elevado e chantagista poder reivindicativo das autonomias.
O sétimo apontamento têm que ver com as empresas tecnológicas , mais propriamente com a sua dispersão pelo pais, e para afirmar que a grande concentração das ainda poucas empresas tecnológicas nacionais na região de Lisboa tem que ver com o facto de aí se concentrar muito do know-how nacional indispensável à sua criação e também por aí se localizar alguma procura por esses tipo de serviços ou produtos. O INESC, por exemplo, e outros com papel relevante neste constexto, desenvolvem aí as suas actividades. Contudo, convém não esquecer que há pólos tecnológicos importantes, já desenvolvidos, e outros que estão a dar os primeiros passos e que ainda não aparecem reflectidos nos mapas apresentados: é o caso de Aveiro nas telecomunicações, do Porto, de Braga, de Évora, e de outras regiões, mesmo do interior do país, geralmente associadas a uma universidade, onde estas actividades de forte valor acrescentado estão em fase de implantação, como é o caso da Covilhã onde o Parque de Ciência e Tecnologia, Parkurbis, e a Faculdade de Ciências da Saúde poderão vir a contribuir para potenciar a criação de várias dessas empresas nas áreas tecnológicas, da biologia microbiana e genética, à bio-medicina, à química e farmácia, aos equipamentos bio-médicos.
O oitavo comentário está relacionado com a agricultura e floresta , mais propriamente com os fogos que anos após ano vêm dizimando a floresta portuguesa, e para afirmar que o s valores referentes à área ardida nos últimos anos também não são propriamente surpresa para quem tem acompanhado pela imprensa o flagelo dos fogos que têm afligido Portugal nos últimos 3 anos, e em particular a zona do Pinhal da R. Centro (que teve continuidade no Norte Alentejano), e o Algarve. Surpreendente sim foi o já elevado número de fogos ocorridos no ano de 2005 nas zonas húmidas dos litorais centro e norte, tradicionalmente zonas mais húmidas e por isso mais difíceis de incendiar. Mas até isso se pode explicar pelo Verão excessivamente quente e seco deste ano.
O último comentário para apreciar a participação política dos portugueses nas últimas eleições e para dizer que a forte participação política ocorrida nas eleições deste ano são a prova de que a população portuguesa sabe o que quer e que reage e se mobiliza quando há causas que o justifiquem como supuseram ser o caso de 2005 em que viram a economia a degradar-se, o poder de compra real a perder-se, a instabilidade político-social a instalar-se. E neste aspecto particular apraz-nos registar que aqui não houve grandes discrepâncias regionais, o que até talvez fosse de esperar, dadas as tendências sociológicas e perfis psicológicos da maioria dos habitantes dos interiores norte e sul, por um lado, e das zonas industriais e de serviços do litoral e das regiões metropolitanas de Lisboa e Porto, por outro.
Em síntese podemos dizer que os vários indicadores que tomamos como referência, e o tipo de dispersão regional encontrado em cada um deles, mostram, mais uma vez, que se nada de importante for feito, se não se discriminar positivamente o interior, continuaremos a ter um país a duas velocidades: um litoral rico, com grande densidade populacional, com muitos jovens no ensino superior, com um Pib per capita de nível europeu, onde se localizam a maioria das empresas tecnológicas e as ligadas à sociedade da informação, em geral menos ardido, com uma boa rede de infra-estruturas, mas com maiores problemas de poluição, tráfego e criminalidade, e um interior pobre, com baixa densidade populacional, envelhecido, com uma pequena percentagem de estudantes no ensino superior, ardido, com menos empresas tecnológicas e menos virado para a sociedade da informação e menos e pior rede de infra-estruturas, apesar de apresentar uma maior qualidade de vida, uma menor poluição, e menores índices de criminalidade.

*
Professor Catedrático da Universidade da Beira Interior e Responsável do Observatório para o Desenvolvimento Económico e Social (ODES) da mesma Universidade