António Fidalgo
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O golpe de
asa
Portugal precisa em 2006 de um
golpe de asa. O que falta é apenas um quase como
escreve Mário de Sá Carneiro no poema homónimo:
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
O desalento crónico, a derrota à partida,
o fatalismo incrustado na alma são, verdade se
diga, males de que o país padece há muito,
há séculos, e que até farão
parte do seu ser. A sua personificação por
Camões na figura do Velho do Restelo revela que
não estavam ausentes mesmo na hora da epopeia,
de quando os lusíadas davam ao mundo novos mundos.
Ora, com uma unidade nacional e territorial porventura
ímpar no mundo, com uma profunda e invejável
identidade linguística, cultural, social e religiosa,
fruto de oito séculos de história, sem os
graves problemas de integração de minorias
que afectam mormente os países europeus mais ricos,
com uma economia aberta, Portugal tem hoje todas as condições
para vencer os vários atrasos, económico,
educacional e cultural. Não há efectivamente
razões objectivas para não levar de vencida
os desafios que se lhe colocam. Falta tão só
esse golpe de asa.
Há quem julgue que é sina ou fado Portugal
atamancar atrás dos outros países europeus.
Há quem diga e escreva que lá fora é
que é bom, que os estrangeiros são mais
profissionais que os portugueses, que, realisticamente,
não temos hipóteses de competir ou com os
países mais desenvolvidos da velha Europa ou com
os países do Leste que integraram recentemente
a União Europeia. Será que quem tal julga,
diz e escreve, tem uma lembrança do país
que Portugal era há apenas quarenta anos atrás,
quando em aldeias aqui do Interior se vivia em condições
tremendas de subdesenvolvimento, com uma população
analfabeta, com aldeias sem electricidade, sem água
e sem esgotos? Contudo, o que é um facto, segundo
os dados do Banco Mundial, Portugal foi um dos países
do mundo que mais se desenvolveu nas últimas décadas.
O estado de espírito dos países é
parecido com o dos indivíduos. A riqueza ou a pobreza
não são motivo ou obstáculo directos
da euforia ou da depressão de um povo. Há
países ricos que vivem em profunda crise, como
ocorre actualmente em França e em Itália,
e países pobres que respiram confiança como
a Índia. Para Portugal será eventualmente
exemplar o que se passou na Alemanha nos últimos
anos. Na altura em que o desalento dos alemães
estava no auge, quando o partido do chanceler Schroeder
perdia sucessivamente as eleições regionais
e ficava dependente da maioria adversária na câmara
alta do parlamento, o The Economist referia-se em termos
altamente elogiosos à economia alemã. Os
alemães olhavam apenas para a deslocalização
de fábricas para os novos países do leste
europeu, preocupavam-se com o oneroso sistema social,
despertavam para o facto de a riqueza alemã per
capita ter descido abaixo da média dos países
da zona euro. Mas a verdade é que a Alemanha continuava
a ser o maior exportador mundial de produtos industriais.
Apesar das eleições de Outono passado não
trazerem uma maioria clara e terem obrigado a uma coligação
difícil dos dois grandes partidos, agora de repente
vive-se um novo ambiente. A diferença é
a nova chanceler Angela Merkel que, entrada na cena europeia,
resolve a contenda orçamental da União Europeia.
O prestigiado jornal Die Zeit fala no novo clima criado,
de que o país está melhor do que o que parece.
O desânimo em Portugal tem impedido de ver que pela
primeira vez se derrubam tabus, se colocam em causa as
vacas sagradas dos privilégios adquiridos. Quando
é que o sistema de justiça foi objecto de
tamanho escrutínio por parte dos média,
quando é que o sistema de saúde foi tão
debatido como agora? Não é isso um tremendo
avanço na nossa democracia? As dificuldades orçamentais
obrigaram os portugueses a tomarem consciência de
que o dinheiro não vem do céu, mas dos seus
impostos. A obesidade é uma doença das sociedades
ricas e a crise que Portugal enfrenta pode ser vista como
uma excelente cura de emagrecimento. Não há
razões para não acreditar que assim não
seja.
Um golpe de asa, sim. Para ir mais além e ganharmos
a distância.
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