Urbi @ Orbi
– Referiu durante as Jornadas Internacionais de
Arte e Moda que “design é fazer arte com
a tecnologia”. Que relação é
essa?
Rui Miguel – O design pretende conceber
produtos estética e funcionalmente dirigidos a
grupos de consumidores aproveitando as tecnologias e os
materiais existentes ao menor custo. Procura-se uma optimização
das novas tecnologias. Fazer produtos com uma mais-valia
que surpreenda os consumidores, pela positiva, é
a delícia de qualquer designer.
U@O – Alguns dos licenciados em Design Têxtil
e do Vestuário, pela UBI, começam a ver
o seu trabalho reconhecido no mercado. Vencedores de concursos,
colaborações com grandes estilistas, entre
outras acções. De que forma esses aspectos
são benéficos para a instituição?
R.M. – Numa primeira análise ficamos
tranquilos porque concebemos um curso que é bom.
Nestas duas primeiras levas de licenciados temos a grata
satisfação de constatar que a maior parte
dos antigos alunos estão a trabalhar no ramo e
a fazer aquilo de que gostam. Um sentimento de satisfação
e de tranquilidade interior que aumenta quando registamos
casos como os de alunos que vencem primeiros prémios
em concursos como o Mod’tissimo. Sabemos que o que
estamos a fazer está bem feito, mas não
nos contentamos com isso. O curso precisa de melhorar.
Não nos queremos ficar por sermos bons, queremos
ser muito bons, um objectivo que para ser alcançado
precisa de trabalho contínuo. Já identificámos
áreas em que queremos melhorar o nosso curso de
Design Têxtil e do Vestuário aproveitando
a reestruturação prevista no Processo de
Bolonha.
U@O – Mudanças que passam por?
R.M – Inserir os alunos de forma mais continuada
na área do projecto. Queremos que eles, ao longo
de todo o seu percurso académico, tenham mais contacto
com disciplinas de Projecto. Teremos também de
reavaliar os conteúdos de algumas disciplinas e
apercebermo-nos do real interesse para a formação
de base dos alunos dos conteúdos e metodologias
pedagógicas que estão a ser dados aos estudantes.
Todas estas medidas levaram já à recolha
de informações, dados e estudos que agora
vão ser apresentados a todas as entidades ligadas
ao curso e que têm interesse no mesmo, para depois
decidirmos o que mudar.
U@O – Numa fase em que se fala muito de
moda e de novas tendência, esquece-se, por vezes,
a formação. Na sua óptica, quais
são os requisitos mínimos para se ser um
bom designer?
R.M – Ter um espírito criativo que
apele à experimentação, não
ter medo de ensaiar coisas novas. Mas tudo isto se trabalha,
se cultiva, se desenvolve. No caso de um estudante que
esteja interessado em frequentar estes cursos e ainda
mostre algumas dúvidas, sobre se as suas ideias
são ou não boas, ou tem algum receio em
não conseguir desenhar muito bem, isso não
é impeditivo de frequentar estas licenciaturas.
Até porque os aspectos principais surgem com o
trabalho. O apurar, o desenvolver da criatividade é
algo que se pode vir a moldar ao longo do tempo. O espírito
da procura da inovação será pois
o parâmetro essencial, ainda que não o único,
mas o principal para se ser um bom designer. Ter sentido
estético e apetência e vontade para pesquisar
e utilizar novas formas, novos materiais e novas aplicações,
bem como ter espírito metódico são
também condições que devem estar
na postura de qualquer profissional. Mediante tudo isto
há que referir que o trabalho de um designer também
tem de estar balizado. Não se pode dar largas à
criatividade, sem limitações. Estas são
claramente, limitações de mercado, da tecnologia
e dos custos. Desde que a pessoa compreenda que para o
seu trabalho tem de haver estas balizas e que pode, dentro
destas linhas, ter um campo imenso para desenvolver as
suas potencialidades com método, tem um óptimo
perfil para estudar design.
|
"No têxtil há desgraças
e sucessos"
|
U@O– O CovilhãModa, Jornadas Têxteis,
eventos internacionais sobre Arte e Moda são algumas
das iniciativas promovidas pela UBI e relacionadas com
as licenciaturas em têxteis. Estes eventos têm
a sua continuidade garantida?
R.M. – Pela nossa parte, damos todo o apoio
possível a essas iniciativas. Nas Jornadas de Arte
e Moda estamos já a trabalhar para uma segunda
edição, e as iniciativas de final de ano,
que se prendem com os Núcleos de Estudantes, UBITEX
(Engenharia Têxtil) e UBIfashion (Design Têxtil
e do Vestuário), nomeadamente as jornadas e os
desfiles de finalistas, seguramente que terão todo
o apoio e carinho por parte do Departamento. Estamos sempre
disponíveis para apoiar as iniciativas desta área,
mesmo aquelas que possam sair um pouco do âmbito
das nossas portas, mais viradas para a cidade e para região.
U@O – Um aspecto que também pode
ditar a continuidade ou não de certos projectos
é o número de alunos que ingressam nas licenciaturas
da área das Engenharias. A UBI, com o curso de
engenharia têxtil, um dos seus mais antigos, tem
registado um acentuado decréscimo de alunos. Como
vê toda esta situação?
R.M. – Efectivamente, os cursos de Engenharia
não cativam muitos alunos. O curso de Engenharia
Têxtil sofre por isso, e sofre também pelo
facto desta profissão não reunir actualmente
uma boa imagem junto da opinião pública.
Estamos a trabalhar no sentido de enfrentar estes problemas
e procurar dar-lhes soluções. Há
que salientar que muita desta má imagem que passa
para o público tem a ver com a Comunicação
Social, porque há mais preocupação
com situações de encerramento de empresas
do que com os sucessos registados por outras do mesmo
sector. Aquilo que passa para o cidadão comum é
a desgraça e não o sucesso, e no têxtil
há desgraças e sucessos como em todas as
outras actividades.
U@O – Quais as medidas que o Departamento
tem encetado para modificar o cenário de alguns
cursos que não registam a entrada de alunos?
R.M. – Devemos ter a responsabilidade de
continuar a formar quadros para uma indústria com
futuro. Quadros mais qualificados e exigentes. No âmbito
do Processo de Bolonha, vamos querer ter um primeiro ciclo
de formação de banda larga, na área
das tecnologias têxteis, com uma duração
de três a quatro anos. Esta formação
será adaptada às reais e actuais necessidades
das empresas. Os alunos serão recrutados, quer
no 12.º ano de escolaridade, quer nos cursos de especialização
tecnológica (CETs). O segundo ciclo, ao nível
das pós-graduações e dos cursos de
especialização, terá uma preocupação
redobrada. E aqui vamos especializar quadros ao nível
das necessidades emergentes das actuais indústria
e distribuição têxteis. Esta última
área está agora a crescer no nosso País
e nós queremos responder às necessidades.
Neste ponto, o recrutamento dos alunos passará
pelos activos das empresas e por quem já está
no sistema do ensino superior. Para estas formações
queremos continuar e ampliar as nossas ligações
a outros departamentos. Outra das áreas em que
temos vindo a apostar é a da parceria com escolas
técnicas de formação profissional,
nomeadamente com a Escola Tecnológica da Beira
Interior (ESTEBI). Este tipo de parcerias permite-nos
formar os quadros intermédios de nível IV
para a indústria, recursos humanos de inegável
valor para as empresas.
"O mundo dos têxteis técnicos,
ainda está em grande parte, no campo da investigação" |
|
U@O– Esta área representa também
um pilar científico fundamental para a UBI. Tem
apontado o caminho dos têxteis de alta tecnologia
como o mais correcto a seguir. Pode desenvolver essa ideia?
R.M – Portugal para ser competitivo tem
de apostar em produtos com mais valia, nomeadamente pela
incorporação de alta tecnologia, quer ao
nível de têxteis para vestuário convencional
(mistura de fibras, acabamento, etc.), quer ao nível
dos têxteis não convencionais com aplicações
em vestuário de protecção, na agricultura,
em geotecnia, nas indústrias automóvel e
aeronáutica, na medicina, em consumíveis
hospitalares, etc.. O Departamento Têxtil, no âmbito
da Unidade de I&D “Materiais Têxteis e
Papeleiros”, tem estado atento às exigências
de investigação e tem contribuído
com vários projectos dos quais resultam teses de
doutoramento e mestrado, publicações e comunicações
em congressos internacionais, para além de parcerias
com empresas e instituições. No campo da
investigação a que chamamos de “wearable
technologies” (têxteis inteligentes) está
a surgir um projecto multidisciplinar bastante interessante,
que está a ser supervisionado pelo professor João
Queiroz, e que engloba vários Departamentos da
UBI, nomeadamente, Têxtil, Ciências do Desporto,
Electromecânica (com a área das telecomunicações),
Física (com a área da electrónica),
Matemática, Informática e a Faculdade de
Ciências da Saúde. É um projecto que
nos pode colocar junto dos grandes centros de investigação
de ponta à escala mundial. Devido à sua
complexidade disciplinar, científica e tecnológica,
este projecto está ainda numa fase embrionária,
mas está a reunir as condições necessárias
à sua realização. Aquilo que o projecto
pretende é a construção de vestuário,
a ser testado pelo Departamento de Ciências do Desporto
e pela Faculdade de Ciências da Saúde, capaz
de monitorizar determinados parâmetros vitais importantes.
Os produtos para os quais tivermos dado a nossa contribuição
terão seguramente uma grande mais-valia no mercado
têxtil. Empresas que consigam produzir este tipo
de produtos têm um sucesso comercial garantido à
partida, embora, claro, para nichos de mercado. Isto porque
estarão na liderança do desenvolvimento
tecnológico.
U@O – Os têxteis sempre foram um
dos principais motores económicos da região.
Como vê o estado actual do sector?
R.M. – Uma empresa só sobrevive
se conseguir adaptar-se às condições
de mercado. Perante uma situação em que
um determinado produto não se consegue vender acima
do seu custo de produção, há que
ter a noção de introduzir uma mais-valia
nesse mesmo produto para que possa ser comercializado
com lucro para o produtor. Isto consegue-se com melhorias
ao nível dos recursos humano e tecnológico.
As empresas que não forem capazes de evoluir no
produto ou adaptar as suas tecnologia e organização
de forma a reduzir os custos de produção,
a prazo, acabam por encerrar. A indústria têxtil
em Portugal é para continuar. Neste momento tem
ainda um peso enorme na nossa economia. É impensável
conceber o País sem a indústria têxtil.
E a indústria sem quadros não funciona.
Portugal tende a diminuir a sua mão-de-obra não
qualificada por questões que se prendem com a competitividade.
A tendência é para se continuar a verificar
uma redução no número de empresas,
aquelas que não se conseguirem adaptar às
novas realidades económicas. Mas outras existem,
que estão bem, que vingaram, que estão a
crescer e que têm futuro. Eventualmente poderão
aparecer outras, criadas por empresários com visão
que descobrem nichos de mercado e que investem aí.
U@O – Que apreciação faz aos
empresários regionais, ligados ao sector têxtil?
R.M. – Como já referi em artigos
publicados, a história da indústria têxtil
em Portugal tem sido escrita por um conjunto de grandes
empresários que construíram empresas relevantes
em termos nacionais e internacionais. A importância
destes empresários resulta não só
da dimensão que as suas empresas conseguiram atingir,
quer em volume de produção e de facturação,
quer em número de trabalhadores, mas também
da sua capacidade de inovação e diversificação
no negócio têxtil. Há, porém,
uma faceta menos boa da nossa história têxtil
que tem ocorrido nos últimos anos e que resulta
de todo um conjunto de acontecimentos associados ao emagrecimento
da ITV devido ao desaparecimento de empresas que não
conseguiram evoluir para os patamares de exigência
competitiva que se anteviam há anos atrás,
ou seja, já se esperava que quem não fosse
capaz (ou não quisesse) de ter uma estratégia
empresarial assente nos domínios do produto, do
mercado e da tecnologia não iria sobreviver. O
que tem vindo a ocorrer é uma espécie de
evolução do industrial (que também
é empresário) para o empresário (que
também é industrial).
|
"Não podemos estar a competir com a
China ao nível da produção
de t-shirts"
|
U@O – Quais são os principais desafios
perante a ameaça da China, que pretende apostar
no sector têxtil?
R.M. – Há indícios de que
a China pretende entrar nos nichos de mercado de têxteis
de qualidade. Mas, neste momento, os empresários
do Oriente estão mais interessados nas grandes
produções massificadas. Fica, assim, um
grande espaço para os produtos que se destinam
a mercados com mais apetência e que valorizam a
qualidade, a inovação, o design, a personalização
e a diversidade/renovação num curto lapso
de tempo. As empresas portuguesas podem e devem ocupar
este espaço. Competir em preço com a China
não faz sentido e, por outro lado, temos de reconhecer
a globalização como um dado adquirido, pelo
que temos de apostar em novos mercados e em novos produtos
que não são fabricados por eles. Analisar
os mercados, os produtos e a logística onde possamos
ser competitivos é o passo seguinte a ser dado.
O grande desafio das empresas está em descobrir,
mediante a tecnologia de que dispõem, os melhores
mercados, os melhores produtos e a melhor organização
para a redução dos prazos de entrega e de
custos. É fundamental a aposta nos mercados de
proximidade através da flexibilidade de produção,
capaz de entregas rápidas e diversificadas. Não
podemos estar a competir com a China ao nível da
produção de t-shirts. Ou, se assim for,
as t-shirts portuguesas têm de apresentar uma mais-valia
para vingar no mercado. Descobrir estes benefícios
é o segredo do negócio. Na área da
produção têxtil, há empresas
muito competitivas e rentáveis, tal como na área
da confecção, as que apostaram em colecções
próprias e em redes de distribuição.
U@O – A criação de estruturas
como o Parkurbis de que forma ajudam na concretização
de projectos inovadores?
R.M. – Esta estrutura vai ter um papel
muito importante para se criar na região uma área
empresarial com base em tecnologia de ponta. A sua existência
vai ser fundamental no sentido de criar também
uma cultura de aposta nas novas tecnologias, porque nós
precisamos de fortalecer a nossa classe empresarial. Temos
muito bons empresários, mas precisamos de os multiplicar.
Uma das funções do Parkurbis deve passar
por criar uma certa pedagogia entre os novos empresários,
com vista a estes apostarem nas tecnologias inovadoras.
Uma condição que, a prazo, irá ser
muito importante.
|