Urbi@Orbi –
Como presidente do Departamento de Psicologia e Educação,
que balanço faz da licenciatura em Psicologia que
é uma das mais recentes na UBI?
Luísa Branco – Um balanço
muito positivo. Neste momento temos os três ramos
do curso a funcionar, Psicologia Clínica e da Saúde,
Escolar e da Educação e vai ter agora início
o ramo da Psicologia das Organizações, ainda
que com algum atraso, uma vez que só agora foram
criadas condições para isso. Devido ao Processo
de Bolonha, estamos a iniciar a reestruturação
do curso, de modo a que esta licenciatura esteja de acordo
com os créditos ECTS, e as restantes exigências
decorrentes daquele.
Neste momento, os primeiros finalistas estão a
estagiar em instituições da região,
onde têm tido uma boa aceitação. Embora
ainda não existam resultados dos estágios,
penso que estão a decorrer bem.
U@O – Foi difícil encontrar estágio
para estes primeiros finalistas?
L.B. – Não tivemos dificuldade em
encontrar estágios para os alunos, o que é
um bom sinal e também uma evidência de que
existe necessidade do trabalho destes profissionais. É
de realçar que a comunidade os acolheu muito bem.
U@O – O que espera da actuação
destes profissionais?
L.B. – Que prestigiem a UBI e que sejam
bons psicólogos.
U@O – Uma vez mais, o curso de Psicologia
preencheu a totalidade das vagas com uma boa média.
No seu entender, a que se deve esta procura?
L.B. – O curso tem preenchido sempre a
totalidade das vagas e temos também muitas transferências
de alunos e muita procura o que leva os professores a
estarem assoberbados de trabalho. A equipa de docentes
é bastante jovem, o Departamento é constituído
por 14 docentes, só quatro são doutorados
e eu não sou psicóloga.
Penso que as pessoas se sentem fascinadas por compreender
o comportamento humano.
|
"Os psicólogos têm lugar na sociedade
e nas instituições"
|
U@O – Há o risco do mercado de trabalho
ficar saturado? Ou acha que continuam a ser necessários
licenciados nesta área?
L.B. – O mercado não está
saturado e eu julgo que os psicólogos têm
lugar na sociedade e nas instituições. Pena
que não seja criada a figura e o lugar do psicólogo
nas instituições, nas escolas, nas empresas.
Veja-se o exemplo da Centro de Área Educativa (CAE)
da Guarda que nos contactou no sentido de solicitar algum
apoio do Departamento, uma vez que eles têm um psicólogo
para um largo número de alunos, não diria
com necessidades educativas especiais, mas em todo o caso
com dificuldades. Era, portanto, perfeitamente natural
que existissem mais psicólogos ligados ao sistema
de Ensino e não há. Toda a gente sabe que
isso é necessário, até porque temos
uma escola de massas e aí chegam pessoas com todo
o tipo de problemas e situações complexas
e difíceis.
Apesar de haver todo este fascínio pelo comportamento
humano, o acompanhamento psicológico parece ainda
não ser considerada uma necessidade básica,
para que as pessoas tenham qualidade de vida e uma boa
saúde mental.
U@O – O Departamento tem também formações
a nível de pós-graduação.
Como estão a funcionar os mestrados?
L.B. – Nós temos dois mestrados
em funcionamento, o mestrado em Educação
Social e o mestrado em Educação, especialidade
de Formação Pessoal e Social. Por outro
lado temos também a revista “Psicologia e
Educação” e damos apoio às
licenciaturas de Ensino e a outros cursos.
U@O – Que projectos e investigações
destacaria aqui no Departamento de Psicologia?
L.B. – Temos várias iniciativas
que acho serem importantes. Está já em fase
de criação o Núcleo de Estudos e
Intervenção em Psicologia, (NEIP), que vai
funcionar na Biblioteca Central, a título provisório.
O objectivo deste núcleo passa, em primeiro lugar,
por dar apoio à comunidade estudantil da UBI, através
de consultas e outros apoios. Numa fase posterior, a ideia
é também prestar os mesmos serviços
à comunidade envolvente.
Outra das acções do Departamento passa também
pela criação, em parceria com a Câmara
Municipal, do Núcleo de Apoio Psicológico
e Comunitário da Covilhã. Este resulta da
evolução do Centro de Apoio Comunitário,
que não tinha instalações e que está
a cargo do Professor Henrique Pereira. Este projecto reveste-se
de características inovadoras uma vez que está
baseado na psicologia comunitária, algo bastante
corrente nos países anglo-saxónicos, mas
que em Portugal não está muito divulgado.
De resto, e faço aqui um parênteses, um dos
aspectos inovadores do curso de psicologia da UBI é
precisamente a incidência dada à psicologia
cognitiva e à psicologia comunitária. Estes
projectos vão entrar em funcionamento dentro em
breve.
U@O – Na sociedade anglo-saxónicas
é comum encontrar-se uma forte ligação
entre as Universidades e as comunidades envolventes. Aqui
também acontece o mesmo?
L.B. – Penso que essas sociedades têm
uma organização completamente diferente
da nossa. Eles fazem grupos de apoio para tudo e formalizam
muito as suas relações. Os apoios passam
por esses grupos e núcleos. Em Portugal não
é tanto assim. Nós temos uma maior espontaneidade
na associação. Isso não quer dizer
que este tipo de núcleos não façam
sentido, dados os problemas sociais e psicológicos
que começam a surgir na nossa região onde
há desemprego, onde as pessoas têm dificuldades
onde, muitas das vezes, as pessoas não sabem onde
é que devem (e como) procurar ajuda e trabalho
e portanto este Núcleo de Apoio Psicológico
e Comunitário vai tentar dar resposta a tudo isso.
Existe um grande espaço de intervenção
nesta zona.
"Não existe uma consciência cívica
desenvolvida" |
|
U@O – Defende também a “escola
cultural” abandonada pelo actual sistema de Ensino.
Podia esclarecer essa ideia?
L.B. – Trata-se de um projecto muito interessante,
que surgiu associado à elaboração
da (ainda) actual Lei de Bases. Segundo esta concepção,
a escola deve ser uma escola plenamente axiológica,
isto é promover todos os valores do humano. Em
termos organizacionais, para além da existência
de um núcleo de disciplinas, a escola cultural
consagra a existência de clubes, clubes esses que
aparecem contemplados, inclusivé, no horário
dos docentes. Estes clubes, ao contrário das actuais
áreas curriculares não disciplinares, são
de frequência livre, permitindo aos alunos desenvolver
as suas vocações e interesses e, nalguns
casos, aceder a tipos de saber menos valorizados pelos
currículos tradicionais.
A escola cultural considera que não há,
na escola actual, um espaço onde os alunos possam
efectivamente realizar-se, dado estarem sujeitos a um
currículo imposto. Os clubes, partindo da iniciativa
dos professores e dos alunos, permitem aos estudantes
desenvolver as suas vocações e apropriar-se
dos saberes de um modo mais lúdico. É evidente
que hoje ainda há alguns clubes nas escolas, mas
a maioria a funcionar em situações complicadas
e fruto da boa vontade e empenho dos professores e alunos.
No ano passado acompanhei as monografias de três
alunas de Ensino da Física- Química que
implementaram um clube de Química na escola onde
foram estagiar. Os resultados obtidos foram espantosos.
Mas tudo resultou da boa vontade delas, de financiamento
próprio e da sua ligação à
Universidade, doutra forma não tinham hipóteses
de arranjar materiais, fazer determinadas experiências,
e outras actividades. Verificaram-se também aspectos
importantes como o facto de, no início do ano,
a disciplina preferida dos alunos ser a de Desporto, mas
no final da frequência do clube, alguns alunos já
apontarem a Química como a disciplina mais interessante.
Este é um exemplo de como se pode levar os alunos
a olharem para a ciência de uma outra maneira, de
um modo mais lúdico mas também mais eficaz.
U@O – Conceitos como formação
cívica, democracia, participação
e cidadania devem, em seu entender, estar intimamente
ligados. Mas ao que parece não estão e vence
o facilitismo e a individualidade. Que comentários
faz a esta situação?
L.B. – Ao nível da Universidade,
por exemplo, fico, por vezes, chocada com o facto dos
alunos, e não só, reivindicarem sobretudo
coisas que têm apenas a ver com os “problemazinhos”
deles. Não me parece que haja uma consciência
cívica desenvolvida, nem que estejamos a formar
pessoas para uma vida democrática no sentido pleno.
Embora tudo isto não dependa apenas da Escola e
da Universidade, não há dúvida que
estas instituições têm de desempenhar
um papel essencial
Penso também que estamos a entrar num regime de
facilitismo e até a menorizar os alunos.
U@O – Acha que a Educação
está hoje mais virada para as novas tecnologias
e esquece estes conceitos fundamentais?
L.B. – Em Portugal acaba por se cair muito
em questões técnicas. A formação
de professores é muito técnica. Existe a
tendência para se cair num conjunto de receitas
e modas, muito dominadas pela Psicologia, o que não
quer dizer que isso seja mau, até porque esta é
uma das grandes ciências da educação,
mas existem outras vertentes que devem ser contempladas
É necessário formar a consciência
crítica dos futuros docentes, sensibilizando-os
para os conhecimentos oriundos das diversas ciências
sociais e da filosofia. No fundo é fundamental
ter consciência de que a Educação
é um domínio do conhecimento transdisciplinar.
|