Durante três dias, os alunos de Medicina debateram vários filmes como "Mar Adentro"
I Ciclo de Cinema “Medcine”
Cinema e Medicina juntos pela mesma causa

Os futuros profissionais de Medicina organizaram o I Ciclo de Cinema “Medcine” com o intuito de debater temas que podem suscitar opiniões contraditórias. Dentro de um conjunto de três filmes, “Mar Adentro”, “Blue Velvet” e “Hable con Ella” abordam questões como a eutanásia, problemas psicológicos e estados de coma profundos.


Por Filipa Maio e Sofia Pires


Os alunos de Medicina, fugindo aos suportes convencionais, recorrem ao cinema para fomentar a discussão de temas complexos da sua área. Assim, “Mar Adentro” abriu, no passado dia 14, o I Ciclo de Cinema “Medcine”. A eutanásia vem à baila neste filme que retrata a história verídica de Ramón Sampedro, um tetraplégico preso a uma cama há vinte e oito anos, que luta pelo direito de decidir a sua morte, considerando que “a vida sem liberdade não é vida”.
A única janela para o mundo traz-lhe o cheiro do mar que depois de dar, retirou-lhe a vida num mergulho distraído com mais areia que água. O outrora marinheiro, a partir desse momento, deseja apenas a morte que não pode alcançar pelas suas próprias mãos. Então, depois de um processo legal bastante polémico mas sem resultados favoráveis, Sampedro, com a ajuda de alguns amigos, consegue pôr termo à sua vida a 12 de Janeiro de 1998.
Vencedor de vários prémios, “Mar Adentro” demonstra o dilema de valores e argumentos que a eutanásia suscita. E por isso, no final da projecção deu-se a palavra ao médico Silvério Marques, convidado para fazer a análise do filme e do tema. A sua intervenção passou pela questão ética da eutanásia e morte assistida, a posição do médico como profissional e simultaneamente ser humano, não esquecendo de examinar as diferenças entre a lei espanhola e a portuguesa.
Os que assistiam no Anfiteatro da Parada não ficaram indiferentes a este assunto em geral, nem à história de Ramón Sampedro em particular. O debate desta matéria bastante complexa continuará em aberto. E se na Holanda e Bélgica a eutanásia já foi aprovada, na maioria dos países, mesmo praticada ilegalmente, a eutanásia está longe de constituir um meio para uma morte digna. E Ramón Sampedro contribuiu para aumentar as dúvidas ao considerar que “viver é um direito, não uma obrigação”, referem alguns dos participantes.
“Blue Velvet”, considerado um dos melhores filmes dos anos 80, foi a segunda obra cinematográfica escolhida, a qual também proporcionou uma análise alternativa de questões sensíveis recorrendo a casos concretos.
Neste contexto, “Blue Velvet” relaciona-se com problemas do foro psicológico, não fosse característica do realizador David Lynch a obsessão pela exploração do lado mais sombrio do ser humano.
A personagem Jeffrey Beaumont interpretada por Kyle Maclachlan encontra uma orelha, achado que o leva a envolver-se num perigoso mistério. Conhece o psicopata Frank Both, encarnado por Dennis Hopper, que se torna uma ameaça a partir do momento que toma conhecimento da sua ligação com Dorothy Vallens. Esta é uma cantora de um bar sujeita à chantagem e aos caprichos do pervertido Frank, devido ao facto deste lhe ter raptado o marido.
Considerado um dos mais criativos cineastas americanos, David Lynch gosta de dar abstracção aos seus filmes, que por isso, são considerados estranhos e de difícil interpretação. Desta forma, Miguel Martins, aluno de cinema, expôs uma breve interpretação de “Blue Velvet” para ajudar todos os presentes a entender um pouco mais acerca do universo lynchiano. Este filme pretende dar algum realce às doenças psíquicas que muitas vezes passam despercebidas ou são negligenciadas em relação às doenças físicas.
“Hable con Ella” é um dos filmes mais marcantes de Pedro Almodóvar pela questão particular de humanidade que nele está presente. A vida e a morte e uma história de amor obsessivo mas, ao mesmo tempo, verdadeiro e educador convidam, no terceiro dia, os futuros médicos e cineastas ao debate.
O médico Miguel Castelo Branco foi o convidado para o esclarecimento de dúvidas. A trama do filme gira à volta de duas histórias que se cruzam. Benigno é um enfermeiro que se dedica de corpo e alma ao tratamento de Alicia, uma bailarina que se encontra em estado de coma profundo. Marco é um repórter e conhece Benigno no hospital para o qual foi levada a sua namorada, Lydia, toureira de profissão, também em coma. Daí surge uma amizade entre dois homens que encaram a vida de maneira diferente. O diálogo que Benigno insiste em manter com a sua amada, serve-lhe de arma contra a solidão, a doença, a morte e a loucura. Dentro das paredes do hospital, estes quatro personagens têm destinos inesperados.
A questão essencial do filme é a possibilidade de recuperação de um estado de coma profundo. Há poucas explicações para as curas porque, por sua vez, acabam por negar as investigações científicas relativamente à questão do coma profundo. O estado vegetativo persistente, a inactividade do doente, que Almodóvar explora, remete para uma questão muito polémica: a eutanásia (tema de debate do primeiro dia).
Quanto à relação enfermeiro/doente, Miguel Castelo Branco refere que “é possível e desejável manter o respeito pelo ser humano”. A qualidade do serviço prestado, que no filme é mais visível da parte do enfermeiro, remete para os casos em que o cuidador se apega demasiado ao doente e daí possam resultar alguns problemas no caso de uma fatalidade. É preciso ter algum apoio quando a tarefa do enfermeiro é cuidar de pessoas cujo risco de vida é iminente.
“Hable con Ella”, filme merecedor de vários prémios, finalizou o I Ciclo de Cinema "Medcine", que decorreu na UBI, entre os dias 14 e 16 de Novembro e que promete repetir-se.