O Festival Y trouxe à Covilhã um espectáculo de sons e movimentos, que juntou um poeta sonoro e uma bailarina de butô. Com um foco de luz apenas, os artistas apresentaram um ambiente de dor e perturbação, partilhando o palco com o público.
Yukiko Nakamura movia-se ao ritmo da poesia de Américo Rodrigues e, na expressão corporal da bailarina, o poeta sonoro encontrava os versos seguintes. Sem deixar o chão, Yukiko arrastava-se, olhando a audiência nos olhos e abandonando as suas vestes, com movimentos de uma certa agressividade e revolta.
A nudez da bailarina japonesa e a sonoridade do criador, muito semelhante às rezas árabes, provocaram no público o constante efeito surpresa e uma atenção redobrada, na noite de terça-feira passada, 8 de Novembro.
Actuar no mesmo espaço que a audiência é uma particularidade deste tipo de espectáculo, pois as situações criadas requerem um público muito próximo, num espaço neutro, sem cortinas, sem nada que o identifique como palco.
A poesia sonora é uma preocupação com o som, mais do que o sentido, do que o significado. Os poetas sonoros não falam em língua nenhuma. “Inventam e expressam-se pelo movimento e expressão facial”, esclarece Américo Rodrigues. Segundo a mesma fonte, o butô “é uma dança muito triste e perturbante, criada após a II Guerra Mundial, que vive nas trevas e não tem divulgação em Portugal. Exige uma grande entrega física da bailarina e não se enquadra nos padrões da dança clássica ocidental”.
O criador português descobriu a poesia sonora em Paris, num curso de teatro, no qual a encenadora “fazia personagens que não falavam francês, gritavam apenas sons onomatopaicos, guturais, vocais”, explica o poeta. Questionado sobre o cognome “terrorista fonético”, responde apenas que faz implodir as palavras e “estou sempre à procura de outras sonoridades, à descoberta de outras possibilidades vocais e novas caixas de ressonância. Sou terrorista no sentido em que ponho em causa o que é habitual”.
Admirador de flamengo, dos rituais argentinos e do mundo árabe, o poeta inspira-se nos aspectos étnicos do mundo inteiro, fazendo referência a povos esquecidos.
Sem saber o que chamar a este espectáculo, a característica de improvisação não passa ao lado. Yukiko defende que, “na vida improvisamos sempre e tento passar isso quando actuo, sem esquecer nunca o meu público, que está à espera de algo e isso é muito forte”. A mesma acrescenta, “fora do palco as coisas são diferentes, não se pode agir da mesma maneira, porque as pessoas recriminam. Improvisar torna-nos mais livres, em palco posso fazer tudo”. Yukiko confessa que a liberdade que procura é a mesma que a prende, “é o meu próprio ego, as minhas vontades, que não me libertam.”
O mesmo espaço para coisas diferentes e a troca de papéis com a audiência, são as situações perfeitas para a bailarina japonesa, residente em Paris.
Mostra de Video-Dança
Terminado o espectáculo irreverente, a Quarta Parede, Associação de Artes Performativas da Covilhã, brindou a assistência com a II Mostra de Video-Dança do festival. O conjunto de filmes preparados para esta mostra evidenciava a dança nos limites do cinema, entre o humor, a publicidade e o registo documental. A evolução da dança no video, foi o que se pretendeu dar a conhecer, através de filmes dos anos 20. |