José Geraldes

A ética, senhores


No séc. XIX, o filósofo H. Bergson escrevia que o mundo daquele tempo precisava de “um suplemento de alma”. O espírito técnico tornara-se tão avassalador que eliminava a componente espiritual do homem. Daí ser necessário remar contra a corrente, para lembrar que a técnica não é tudo na vida. Pressupostos que, aliás, mantêm plena actualidade.
Neste início de Terceiro Milénio, a questão da ética adquire a primazia. Os costumes pós-modernos criaram uma atmosfera do “vale-tudo” e do desrespeito pela palavra honrada. A mentira aparece como norma reguladora de atitudes. A verdade é pontapeada a toda a hora. E o que interessa são as conveniências e os interesses egoístas.
Criou-se uma moral adaptada às circunstâncias. Os princípios perenes tendem a desaparecer das relações sociais.
Os tempos modernos são dominados pela eficácia a todo o preço. Mesmo passando por cima dos valores essenciais que nos deviam reger.
Mas nem todo o panorama se afigura negro.
Por vezes, surgem iniciativas que constituem neste clima de desolação uma lufada de ar fresco e são um sinal de esperança.
Então é assim. A Associação Cristã dos Empresários e Gestores (ACEGE) acaba de lançar um Código de Ética onde se definem princípios éticos universais para as empresas e aplicação da justiça social.
Embora assinado a título pessoal e não pelas empresas, o Código de Ética não deixa de ter a devida importância.
As obrigações do Código incluem uma série de normas de conduta pessoal que fazem a diferença “nesta floresta de enganos” para usar uma expressão literária consagrada.
À cabeça surge a luta activa “contra todas as situações de fraude designadamente cumprindo todas as obrigações fiscais e contra todas situações duvidosas”. Seguidamente, o Código indica como princípio o “não praticar qualquer acto económico à margem da lei”.
Este princípio afigura-se fundamental dada a existência em percentagem elevada da economia paralela que foge dos circuitos legais esquivando-se a todas as obrigações. Veja-se o branqueamento de dinheiro e os chamados crimes de colarinho branco. Sempre com prejuízo do desenvolvimento nacional.
O tráfico de influências é banido da conduta dos empresários bem como se condena “a influência de modo ilegítimo da decisão política”. Neste ponto, todos conhecemos casos de influência quer a nível local, regional e nacional que bradam aos céus. A Comunicação Social tem reportado muitos desses factos. E os que ficam na sombra? O factor cunha se pudesse falar, deixar-nos-ia estarrecidos.
Outro princípio normativo do Código coloca como meta “lutar activamente contra todas formas de corrupção, activa ou passiva”. Aqui abre-se um campo de acção que, por si próprio, já justificava a existência deste Código de Ética.
Se é verdade que parece impossível eliminar pela raiz a corrupção, que, ao menos, se introduza uma cultura que se empenhe na sua erradicação. Mas para isso toda a gente deve colaborar desde um simples auxiliar de um serviço às chefias intermédias, directores gerais e ministros.
A corrupção, na maioria dos casos, está no topo das administrações e altos responsáveis. Tudo isto é sabido e conhecido.
Logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, houve um Comissário Geral contra a Corrupção. Por que razões se extinguiu?
Sem ética, a sociedade transforma-se numa selva. A instituição deste Código de Ética revela uma vontade de alterar o estado de coisas actual. Só temos que nos alegrar com este facto. A bem de uma sociedade baseada em valores perenes que nos dignificam a todos.