João Pires da Fonseca

Engenheiros Civis a mais?


Terá Portugal hoje mais Engenheiros Civis de que os que precisa? A primeira resposta que surge de rompante é afirmativa, se tivermos em conta as dificuldades de trabalho de um número significativo de colegas. Em princípio a sociedade reage automaticamente ao excesso de técnicos com determinada formação, segundo uma lógica económica de mercado em que os salários são inversamente proporcionais à oferta. Mas essa lógica mostra-se quase sempre incompleta e pode conduzir a graves distorções, durante um período de tempo em que, lentamente, se vai tomando consciência mais profunda dos problemas reais e da necessidade de soluções.
Só podendo ter uma opinião fundamentada no domínio em que pessoalmente estou activo, vou restringir a análise ao campo das Estruturas de Engenharia Civil, deixando ao leitor a possibilidade de extrapolar pelo menos algumas das conclusões a outros domínios da engenharia.
A primeira questão que se pode colocar refere-se à qualificação técnica, pois para os bons técnicos, para aqueles que sabem enfrentar e resolver problemas sérios, as oportunidades de emprego são até mais risonhas em Portugal do que noutros países com mais tradição na educação superior, em que a concorrência é mais feroz entre engenheiros experientes. Estou convencido de que as armas mais valiosas para conseguir a tão falada mobilidade dentro do país, na Europa ou no mundo são a competência e a qualidade, muito mais do que as harmonizações dos planos de estudos, nivelados em geral por baixo. O que pode pois hoje existir “a mais” no País é um número de “licenciados em engenharia civil” que não tiveram oportunidade de adquirir verdadeiramente as competências de um engenheiro, quer por sua culpa, quer por insuficiência dos professores e do próprio sistema de ensino, que, apostado em resolver com o aparente “sucesso” escolar a questão económica, cria desse modo os problemas bem mais graves de uma formação académica deficiente.
A questão decisiva é no entanto outra, pois se nos quisermos aproximar dos níveis de desenvolvimento de outros países que nos levam algumas décadas de avanço, teremos que assentar os nossos passos em sólidas fundações de qualidade.
É bom recordar o drama das pontes que de há uns anos para cá, desde Entre-os-Rios, nos tem passado a preocupar. Porque será que os portugueses ficaram desde essa altura mais preocupados ao atravessar pontes? Todos se deram conta de que se nada for feito as pontes podem ruir e de que são necessários engenheiros civis para inspeccionar regularmente as pontes e os edifícios.
E lembrar também o caso da Ponte da Europa em Coimbra. Quanto foi necessário dispender para corrigir precipitações e faltas de planeamento? Que riscos se poderiam ter evitado se tivesse havido maior ponderação e acima de tudo se todo o projecto tivesse sido revisto com profundidade antes de ser posto a concurso. Será porventura do conhecimento geral que em países como a Alemanha todos os projectos de estruturas, após serem elaborados por um engenheiro, são obrigatoriamente revistos por outro independente e que este último tem de ter demonstrado experiência suficiente num exame, na sequência de vários anos de profissão? Instituir o sistema de revisão obrigatória de projectos afigura-se uma questão vital, se se quiserem evitar acidentes e demolições precoces de estruturas.
Sendo Portugal um país com elevado risco sísmico em algumas regiões, como por exemplo Lisboa e Algarve, os habitantes de edifícios antigos ou recentes devem ter a garantia de que as suas casas estão convenientemente contraventadas (preparadas para resistir a sismos e ventos). As autarquias deveriam ocupar engenheiros com essa tarefa, ou pelo menos transferir essa responsabilidade para os seus munícipes, esclarecendo-os do real risco sísmico e da necessidade de mandar verificar a estabilidade das estruturas relativamente a forças horizontais equivalentes à acção dos sismos. Só assim poderemos viver responsavelmente mais tranquilos, esperando que no dia em que um sismo nos surpreenda, a estrutura da nossa casa responda convenientemente, ou seja, que nos deixe pelo menos sair vivos antes de nos cair em cima e que passado o susto não seja demasiado dispendiosa a reparação eficaz das avarias.
Em resumo: a) Verificação de projectos, fiscalização de obras, certificação de estruturas de edifícios e pontes antigas, racionalização de processos e métodos de construção são algumas das enormes tarefas que faz falta realizar no nosso Portugal de 2005; b) Pode actualmente existir um excedente de licenciados menos bem preparados por instituições sem condições para o ensino da engenharia que deveriam talvez ser reestruturadas ou encerrar, mas os engenheiros civis, se forem bons, nunca serão demais.