Urbi –
A UBI lidera, de forma destacada, o número de vitórias
do Prémio Secil, um galardão atribuído
por entidades independentes aos melhores projectos de
engenharia civil. Isso deve-se aos métodos de ensino
ou aos alunos?
Victor Cavaleiro – É o resultado
desses dois factores. Na UBI temos a sorte de juntar duas
vertentes: bons professores e bons alunos, daí
a nossa vitória em vários prémios.
U@O – Estas actividades “extra-curriculares”
são formas de construir ligações
mais fortes entre os estudantes e a UBI numa altura em
que o número de alunos na área decresce?
V.C. – Não tem havido uma grande
divulgação do Departamento em geral e dos
prémios que se têm conseguido ganhar, em
particular. Divulgação que, na minha perspectiva,
deveria incidir sobre o Ensino Secundário, para
que os alunos deste nível de ensino conheçam
as potencialidades da UBI. A divulgação
é feita a nível interno e noutras Universidades
e instituições, mas nas escolas do Ensino
Secundário da região deveria ser mais acentuada.
É de salientar que para ganharmos estes prémios
foi necessária a acreditação do nosso
curso pela Ordem dos Engenheiros. Se conseguirmos passar
a informação de que o nosso curso é
dos poucos a nível nacional que está acreditado
pela Ordem isso irá diferenciar-nos dos demais.
U@O – Mas o decréscimo de alunos
nesta área é cada vez mais acentuado.
V.C. – Começa a ser uma constante
no panorama nacional e aí a UBI não é
uma excepção à regra. Este ano verificou-se
um decréscimo de alunos em quase todas as instituições
do País. Ficaram de fora destas contas o Instituto
Superior Técnico em Lisboa e a Faculdade de Engenharia
da Universidade do Porto (FEUP).
Ainda que tenha existido alguma melhoria em relação
às rodovias, para Lisboa, isso não se verificou
no que diz respeito a Coimbra e Porto. No domínio
das acessibilidades a interioridade paga-se, sendo óbvio
que os alunos preferem ficar mais perto das suas residências.
Temos estudantes de todos os pontos do País, incluindo
das ilhas, com uma maior percentagem a vir do Norte. Com
o aparecimento de novas escolas quer privadas quer públicas,
a surgirem no contexto nacional, o panorama fica um pouco
mais complicado.
|
"Este curso sofreu processos de evolução
e de acreditação muito grandes"
|
U@O – Neste momento, o curso funciona num
pólo recente da UBI. As necessidades lectivas e
de investigação do Departamento estão
já resolvidas?
V.C. – Este curso sofreu processos de evolução
e de acreditação muito grandes. Neste momento
temos 50 por cento do corpo docente doutorado e continuamos
a acentuar a tónica da formação aos
nossos docentes. No que respeita às infra-estruturas
também houve uma grande evolução.
Somos dos Departamentos de Engenharia Civil do País
com melhores laboratórios. O nosso ensino tem uma
componente prática muito forte e importante, mas
longe de estarmos satisfeitos. Quando surgem novos projectos,
esses implicam quase de forma obrigatória a criação
de novas instalações. Ainda mais quando
esses projectos são de grande envergadura. Neste
momento posso dizer que estamos a ficar com o espaço
de infra-estruturas destinado ao curso um pouco congestionado.
No caso concreto do projecto E-Learning que comporta alguma
envergadura estamos a ficar com pouco espaço disponível
para os vários investigadores. Este e outros projectos,
assim como a vinda do novo curso de Arquitectura obriga-me
a repensar novos espaços dentro do Departamento.
U@O – No último Fórum Pedagogia,
os alunos do curso referiram que existem disciplinas que
decorrem em salas de aula lotadas. Quais as medidas que
o Departamento está a tomar para mudar essa situação?
V.C. – Esses factores são mais visíveis
em cadeiras do primeiro ano. Nessa altura, as cadeiras,
sobretudo de matemática e de física, são
de índole geral e como fazem parte do tronco comum
das outras engenharias têm sempre um número
elevado de alunos. Contudo o panorama tem vindo a melhorar
substancialmente. As queixas dos alunos são sempre
de louvar e de ter em linha de conta uma vez que denotam
a participação e preocupação
destes. Mas com estas instalações os alunos
têm reunido todas as circunstâncias para poderem
tirar o máximo partido destes espaços e
poderem evoluir com normalidade nos seus trabalhos.
U@O – Foi o primeiro doutorado em Engenharia
Civil, pela UBI. Na época referia que esta área
iria ser “de excelência” na instituição.
Passados alguns anos pode falar-se nessa “excelência”?
V.C. – Pertenço à geotecnia
e dentro desta área a UBI tem um grupo muito forte.
Disso é exemplo a minha tese de doutoramento. Com
esse estudo dei um grande salto na cartografia geotécnica
portuguesa. Uma vez são muito poucas as cidades
portuguesas que têm uma carta geotécnica.
Lisboa está a fazê-la e o Porto tem essa
carta há bem pouco tempo. A minha tese de doutoramento,
entre outras coisas, representa a carta geotécnica
da cidade da Covilhã. Neste domínio, há
três escolas fundamentais em Portugal e a UBI pertence
a esse grupo. A escola de Aveiro é muito importante
nesta temática com os contributos dos professores
Fernando Ladeira, Ferreira Gomes e outros, assim como
a escola da Universidade Nova de Lisboa, com os trabalhos
orientados pelo professor Rodrigues Carvalho e outros.
De entre elas, e em relação à cartografia
geotécnica, a UBI caminha paralelamente quer no
contexto nacional quer internacional.
"A UBI está presente em todas as grandes
obras da região" |
|
U@O – Ainda assim os estudos e as ideias
que têm origem nas Universidades são, na
maior parte das vezes, esquecidas pelas autarquias…
V.C. – Quando o fenómeno é
novo, as pessoas tendem a ser um tanto ou quanto cépticas.
Se eu tentar mostrar a carta geotécnica da Covilhã
aos responsáveis pela edilidade eles não
sabem o que é, logo mostram-se cépticos.
Mas hoje verifica-se que é fundamental o uso de
um suporte deste tipo numa cidade que quer crescer com
um plano orientador dos planos directores municipais.
Este ramo da Engenharia Civil tem importância se
for de encontro às actividades humanas, caso contrário,
não vale a pena executá-lo.
U@O –Uma recomendação do júri
das provas apontava para este documento ser orientador
do Plano Director Municipal. Isso chegou a acontecer?
V.C. – Não chegou a acontecer precisamente
por este cariz inovador que foi introduzido. Uma tese
de doutoramento tem sempre algo de novo e como é
inovador, as edilidades mostram-se algo cépticas
e alheias. Tenho sido extremamente solicitado para resolver
problemas geotécnicos de Norte a Sul do País.
A UBI, com este grupo de geotecnia está presente
em todas as grandes obras que decorrem na região.
Acompanhamos a construção das barragens
do Sabugal e Miranda do Douro, do túnel de transvase
entre a barragem do Sabugal e a barragem da Meimoa, acompanhamos
de muito perto, ao nível geotécnico toda
a complexa rede de canais que constitui o Regadio da Cova
da Beira e estamos a monitorizar um troço da A23,
medindo três parâmetros fundamentais que são
os da qualidade do ar, das águas superficiais e
subterrâneas e também o ruído. Para
tudo isto investimos muito e contamos actualmente com
equipamento que muito poucas Universidades têm,
como é o caso de uma estação móvel
que veio dos Estados Unidos da América e da França,
que nos permite, ao longo da A23 (ou do País) monitorizar
qualquer um dos parâmetros enunciados em qualquer
ponto. Tivemos de investir em equipamento muito honoroso
e de topo que serve para monitorizar estes três
parâmetros. Neste domínio estamos a trabalhar
com um equipa composta por docentes dos Departamentos
de Electromecânica, de Química e de Engenharia
Civil. Todo este leque de especialistas, cerca de 12 pessoas,
fez com que o trabalho desenvolvido na análise
do troço inicial fosse muito bem acolhido pelos
responsáveis pela auto-estrada e daí que
a partir do início do próximo ano passemos
a monitorizar toda a extensão da A23.
U@O – Como vê o crescimento urbano
da Covilhã?
V.C. – No que diz respeito à ocupação
dos solos e à forma como esta está a ser
feita, vejo este crescimento com alguma preocupação.
Mas não quero expressar a minha opinião
pessoal sob a forma como a Covilhã está
a crescer. Sinto-me satisfeito por constatar que a Covilhã
está a crescer bastante, com a nova Faculdade de
Medicina, com o Parkurbis e outras estruturas. De entre
as cidades do interior reconheço que a Covilhã
está a crescer substancialmente mais que as outras
cidades. Quanto à forma como tudo está a
evoluir remeto a responsabilidade para os políticos.
Apenas demostro alguma preocupação em questões
de ordenamento do território. Questiono-me se existirá
o mesmo índice de crescimento ao nível das
acessibilidades e de outras infra-estruturas a acompanhar
a expansão da cidade.
Lembro-me que entreguei em mãos um estudo sobre
as tipologias de ligações da Covilhã
a Coimbra ao então primeiro-ministro, o engenheiro
António Guterres, estudo esse que foi enviado ao
Instituto de Estradas de Portugal (IEP) e depois foi acabar
nos gabinetes de uma empresa conhecida, mas todo o processo
terminou ali.
|
"Faço questão de ter projectos
conjuntos com escolas nacionais e estrangeiras"
|
U@O – E o que referia esse estudo?
V.C. – A importância e urgência
de uma boa ligação rodoviária a Coimbra,
recorrendo a túneis na Serra da Estrela. Esta solução
prevê a ligação de localidades vizinhas,
como a Covilhã, Manteigas, Seia e Gouveia. A solução
dos túneis é a melhor, em termos ambientais
e em muitos outros. É impensável que os
transportes de veículos pesados atravessem o maciço
da Estrela em tempo de neve. Isso comporta riscos que
no caso dos túneis são suprimidos. Isto
para no caso de transportes de mercadorias, quanto a pessoas,
imagine-se alguém que precisa de ser evacuado com
urgência para o Hospital Universitário de
Coimbra, o que é que acontece, vai pelo maciço
da serra em tempo de neve? Com os túneis, essas
situações ficariam resolvidas. O estudo
que foi feito pela UBI aponta para a construção
de um troço que liga a Covilhã a Manteigas
em menos de 20 minutos recorrendo a um túnel que
passa a norte da cidade e vai sair no vale do rio Beijames.
Nesse mesmo documento existe também uma outra solução
que tem como base a actual ligação através
da estrada das Pedras Lavradas. Com um túnel de
800 metros construído a céu aberto entre
Alvoco e Unhais da Serra conseguimos retirar 38 quilómetros
ao actual percurso de 160, o que numa estrada com aquela
tipologia é um ganho bastante considerável.
Outro aspecto importante diz respeito às acessibilidades
entre a Covilhã a outros concelhos limítrofes
como é o caso do Sabugal.
U@O – A construção e a concepção
das cidades são também aspectos ligados
à arquitectura. A UBI tem uma licenciatura dessa
área a funcionar há três anos. Quais
são os primeiros resultados?
V.C. – Esta licenciatura é uma mais-valia
para a Universidade e para a região. As câmaras
municipais, e não são tão poucas
quanto isso, têm, na sua maioria, apenas um arquitecto.
Com a abertura deste curso estamos a formar profissionais
para todas estas instituições e também
para o sector privado, o que até aqui não
acontecia. Um estudo feito na altura da criação
da licenciatura demonstrava que este tipo de profissionais
se encontravam concentrados, grosso modo, nas áreas
de Lisboa, Porto, Coimbra e Setúbal. Temos uma
licenciatura que é diferente de todas as outras
em virtude de estar ligada a uma escola de engenharia
e também porque queremos fazer uma ponte com outras
instituições, com o pilar central desta
obra de arte, na UBI.
A título de exemplo, a Espanha, como país
vizinho, tem das melhores escolas de arquitectura do mundo
assim como a Polónia devastada com a guerra certamente
possuirá os melhores técnicos de reconstrução
da Europa.
U@O – Essa ligação a outras
Universidades é para aumentar?
V.C. – Faço questão de ter
projectos conjuntos com escolas nacionais e estrangeiras
assim como com grandes empresas. Devemos ter ainda outro
parâmetro em atenção que é
o da formação contínua, no qual estamos
a apostar em força.
"A ligação a professores de outras escolas vai marcar estes alunos pela positiva" |
|
U@O – Um curso desta natureza implica também
criação e mudança nos espaços
sociais envolventes. Como espera que os arquitectos da
UBI modifiquem a Covilhã e não só?
V.C. – O curso de arquitectura é
longo, mas gostava de ver estes alunos colocados em locais
onde possam rapidamente marcar a diferença, quer
nos municípios quer nos gabinetes privados. A ligação
a professores de outras escolas nacionais e internacionais
vai marcar estes alunos pela positiva.
U@O – O Departamento integrou também
uma acção de Luta Contra a Pobreza, reconstruindo
e melhorando habitações. Essa experiência
pode ser repetida?
V.C. – O projecto foi coordenado pelo professor
Castro Gomes e eu também estive nessa equipa. Foi
um projecto maravilhoso que para além da componente
de Engenharia Civil consistia em dar melhores condições
de vida a pessoas que viviam em situações
degradantes. Com a ajuda de um conjunto de pessoas conseguimos
dar um contributo para existam melhores condições
de habitabilidade. De futuro estamos abertos a integrar
projectos desta natureza e outros similares.
|